E quando o caminhar tranquilo daquele senhor, no percurso diário da casa à padaria, de repente, lacra a porta de algum segredo cuja chave, some com ele, nas águas turvas do cotidiano? O ser exemplar, infalível, de repente explode em algum delírio a transforma-se em esfinge de indecifrável enigma. Tanta encenação, tanto passo novo que a dança pela sobrevivência vira um balé de pés quebrados. Nas redes sociais as fotos postadas, os bate-papos, inundam bobagens onde tudo é “lindo”. Exclamações exumadas da preguiça ou do medo de ser original. Pensar cansa e as pessoas estão exauridas pelo consumo inútil e caro. Em outras palavras, dramas e carências não resolvidos acabam varridos para debaixo do tapete. E os mais fracos sempre caem, ou somem com pães debaixo do braço.
Ao mesmo tempo, muitos homens e mulheres deste século 21, reagem, passam a se dar mais valor. Abandonam os espelhos virtuais e aprendem a conviver com as cicatrizes, na carne e no espírito. E isso reforça o amor próprio que se sobrepõe a espera fugaz por reconhecimento depositada em terceiros. Não fogem da briga, mas não se atiram mais na frente da bala para salvar aqueles que talvez, nem os reconheçam.
Segundo a antropóloga carioca Mirian Goldenberg, as pessoas estão cansando dos excessos de oferta, das tralhas materiais que apenas ocupam espaço e, mesmo na relação com amigos ou amantes, insistem em conservar a chave da porta que os conduzirá a bons momentos sem a obrigação do teatro sem graça que se repete em exercícios pautados por normas absurdas de consumo, ou imposição social. E neste processo, as pessoas avaliam a relação com o trabalho, amores e até mesmo amizades. Parceiros problemáticos, egoístas, são riscados das agendas. Adeus às culpas! Essa é a nova ordem.
Há poucos dias, perdi um ex-colega e amigo jornalista. Nem chegara aos 50 anos! E dei graças por ainda estar aqui, nem tão saudável, mas íntegro. Tanto teria ele para viver! Este fato alertou a necessidade de abrir-se mais à vida. Com franqueza, nada de sumir na hora de comprar pão, ou morrer assim, perdendo metade de uma existência. Chega de esforço inútil, de artimanhas que nos engolem lá adiante, ou nem tão distante assim.
Vamos simplificar o que é bem diferente de nos tornarmos pueris. Canastrões em um palco enfeitado. Eu assumo que estou nesta vida pelo prazer. Pelo beijo úmido, pelo abraço sincero, pelo velho abacateiro que ainda dá frutos, lá em casa. Pela mulher que amo e pela família que construí. Estes, não exigem um herói, apenas parceria.
Quantos continuam enrolados em buscas sem rumo, trilhas que mais parecem um emaranhado de baixa estima e a metas oníricas? A melhor imagem, aquela que revela quem realmente somos, não se arquiva nos álbuns de um Instagram ou Flickr. Está na atitude decidida, que nos permite comprar o pão nosso de cada dia, sem pensar em sumir, contrariando, tantas vezes, aquele outro eu das redes sociais.