Este ano ainda não fiz a vacina contra a gripe. Na época de guri sempre tive medo de duas coisas: dentista e injeção. No primeiro caso, o trauma resultou de uma dolorosa tarde escaldante em que tive quatro dentes arrancados. Fiquei impressionado, afinal, eram dentes sãos, mas naquela época ninguém contestava os dentistas, nem meu pai, a quem – é claro! – eu não era louco de questionar.
Fiz muitas injeções na infância porque sofri de amigdalite por anos. Duas cirurgias para extirpar as amígdalas foram canceladas. Resultado: a cada mudança de clima o quadro se repetia com febres de até 41°C que me levaram a ter delírios enquanto minha mãe aplicava compressas de água fria. Até hoje desconfio que alguns comportamentos estranhos que adoto têm relação com estes episódios.
Minha avó materna, Wilma Kirst, aplicava injeções na família inteira, na vizinhança, nos amigos e conhecidos adoentados. Eu tremia quando ouvia os passos que anunciavam a chegada dela que carregava aquela caixinha inoxidável que acondicionava um enorme êmbolo de vidro. Na extremidade brilhava a temida e enorme agulha, menos finas que as atuais. O ritual que antecedia a aplicação me deixava apavorado. Guardo até hoje o ruído da água fervendo o material.
Benzetacil é sinônimo de dor para aqueles que têm mais de 50 anos…
Em um determinado inverno durante um mês inteiro alternei um dia que tomava uma injeção com outro, em que isso acontecia de manhã e à noite. Eram aplicações na nádega – uma humilhação a mais para um guri! – o que provocou dificuldade para sentar depois de 15 dias. Como desgraça pouca é bobagem, as injeções eram de benzetacil, termo que provoca arrepios naqueles que têm mais de 50 anos, como é o meu caso.
O emprego de benzetacil provoca muitas dores. Durante e depois da aplicação. Também provoca intensos suores nas crises de febre. A roupa de cama ficava escurecida e mal cheirosa, obrigando a substituição diária de lençóis e fronhas. Era um trabalho a mais para a minha mãe que em hipótese abria mão de manter tudo limpo.
São lembranças para sempre. Quando me submeto a exames laboratoriais costumo virar o rosto na hora da extração de sangue. O mesmo acontece quando me vacino contra a gripe. Os equipamentos são modernos, descartáveis e os profissionais são treinados para minimizar a dor da picada fatal.
Mesmo assim, os fantasmas da infância rondam a minha cabeça. Se eu fizer uma tatuagem será que terei calafrios semelhantes?