A felicidade passeia em uma bicicleta de pneus gastos e aros desalinhados. Mas está lá, risonha, firme no velho selim de molas que range a cada solavanco. Cair, esfolar o corpo, faz parte. Mas não é todo dia e sempre tem alguém para estender a mão. Nas esquinas, nas ruas movimentadas, a felicidade quase sufoca ao circular entre carros apressados, gente descuidada e trilhas feitas para todo tipo de passeio, menos o dos que pretendem conduzir a existência com um mínimo de esperança.
O bom ciclista não se deixa abater. Encara a subida mais íngreme e testa os freios na descida para não despencar perigosamente. Às vezes as coisas parecem arriscadas demais. Muita chuva, muito vento, muita tempestade. E a tal felicidade passa a andar a pé, descalça no solo hostil, ou na carona dos que trocam o sorrir por compromissos tristes.
Quem disse que tudo tem de ser sempre perfeito? E quem se atreve a garantir que para se conquistar a felicidade é preciso o conforto de um palácio. Sim, é fundamental uma certa nobreza. Mas nunca aquele dos reis e rainhas. Estes com seus castelos, suas cortes e a solidão de um ilusório poder.
É preciso pedalar sempre. Buscar o dia ideal dentro daquele que iniciou mal. Deu tudo errado? Bela oportunidade para recomeçar. Os desencontros, os vendavais são muito inferiores aos tempos de serena brisa. Se permanecem ruínas, a felicidade também brota na reconstrução.
Ficar sentado à beira do caminho, como cantava Erasmo Carlos é que não resolve. “Olho pra mim mesmo, me procuro, e não encontro nada. Sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada”. Mas a letra adverte: “preciso acabar logo com isso. Preciso lembrar que eu existo”.
O argentino Fito Paez seguiu a mesma metáfora: “gosto de estar ao lado do caminho, Tragando a fumaça enquanto tudo passa. Eu gosto de abrir os olhos e estar vivo, ter de me entender com a ressaca”, argumentando que “viver atormentado de sentido, esta sim, é a parte mais pesada”. Por favor, não vivamos atormentados de sentido.
Façamos tudo ter um foco, uma direção. Aos que se veem diante de um precipício, admirem a paisagem sempre assustadoramente bela nas alturas. A felicidade está lá embaixo, sentada na magrela de duas rodas, sem câmbio de 21 marchas, ou amortecedores.
Aos que sabem conduzi-la, a dor, o cansaço e o medo serão apenas percalços a serem desviados com firmeza nos pedais, olhos na trilha e um mundo a renovar-se a cada percurso vencido. A rotina será não ter rotina.