Façamos tudo o que for possível contra a arrogância do sei tudo, contra a preguiça de buscar novas alternativas só porque um dia a coisa funcionou deste jeito e ponto final! Eu sei que é difícil. Amadurecemos e além dos músculos, nossa mentalidade, nossos conceitos, se tornam pouco maleáveis também. Isso não é totalmente ruim. Afinal, a vida nos dá boas lições e questões éticas, devem mesmo ser preservadas. O lado mais chato disso é quando endurecemos sem limpar algumas deformações, aquelas que tornam o nosso andar existencial tão ereto que não enxergarmos o que está nas proximidades. E saímos atropelando, cegos de onipotência.
Olha só que o aconteceu com o futebol brasileiro. Aquela choradeira imatura, os dirigentes autoconfiantes demais, cheios de superstições e patuás e uma ausência de audácia que não poderia resultar em outro fim. Não precisava ser assim tão vexatório eu sei. Nos clubes a situação anda esquisita também. Salários europeus e futebol amador, por exemplo.
Mas tudo isso é só para chegar a conversa que ouvi no ônibus, ao voltar para casa, na semana passada. Dois senhores, com ar sério, comentavam sobre o mercado de trabalho gaúcho. Um deles dizia que não queria aposentar-se tão cedo. Estava empolgado com um curso técnico, “tão bom que me fez mudar coisas que antes, eu achava impossíveis”. O outro com ar sério, retrucou: “Estás perdendo tempo. Não pensa que irão te aumentar o salário. Aliás, tu ganhas muito bem, quer mais para que?”
Ninguém havia falado em dinheiro. A pauta da conversa era satisfação pessoal, aprimoramento profissional. O comodismo, a convicção de que chegara ao topo, ofuscara um deles. O tom agressivo, irônico de quem não queria expandir conhecimentos, me fez lembrar a comissão técnica brasileira que pouco treinou por acreditar em soluções místicas – ou no poder do deboche grosseiro – quem sabe? Pode ser chato aproximar-se da aposentadoria precisando reciclar conceitos. Mas é muito melhor do que endurecer demais a espinha.
Um dia acontecem os tombos e os consequentes e desnecessários aleijões. Aos tombos lá vai o dono da verdade para o inferno. E estando lá, somos obrigados a abraçar o diabo. Mais ou menos como está acontecendo ao time do Grêmio e o treinador Felipão, ambos cheios de amor e reminiscências de glória e conquistas em comum que, de alguma maneira, ajudaram a entortar o caule da humildade. Agora tudo é mais difícil, até porque do inferno, não existe mais a possibilidade de purgatório. A meta, obrigatoriamente, é o paraíso, ou continuar nesse ranger de dentes. Um deles ainda tem muito dinheiro, o que alivia, mas não resolve, tampouco absolve.