Sou “jovem há mais tempo”, eufemismo para evitar o emprego de “velho” que soa pejorativo. Quem nasceu na década de 60, como eu, conhece o significado da expressão “lado B”. Foi surrupiada dos antigos discos de vinil que voltam neste maluco mundo dos modismos que vêm e vão.
O “lado B” tinha músicas de menor potencial de sucesso. Os candidatos a “hits” se concentravam nas primeiras “faixas do “lado A”. Lembrei disso ao receber a notícia de um amigo de longa data. Depois de 32 anos de um pretenso sólido casamento – três filhos e dois netos – largou tudo: mulher, casa, emprego. Mudou-se para o Nordeste, destino de um congresso da indústria farmacêutica. Lá, com sol, praia, descontração e, em crise conjugal, encontrou a nova cara-metade: uma sueca de olhos azuis radicada há mais de 20 anos em Maceió.
Ainda consigo me surpreender com a vida real. Não aquela das inverossímeis novelas da decadente Rede Globo, mas que estão ao nosso lado. E ali constato que todos nós carregamos um “lado B”. São facetas adormecidas dentro de nós. Parecem nem existir, mas prontas para eclodir com força incomensurável.
Surrupiar alguns reais na hora do troco, passar o sinal vermelho num dia de movimentado, enganar o sócio, mentir que uma visita chegou de última hora para evitar o encontro com aqueles ex-colegas chatos ou manter uma relação extraconjugal discreta por anos a fio parecem mais comuns do que parece.
Sou atento ouvinte de conversas sussurradas em elevadores, supermercados e salas de espera. Adoro captar fiapos de diálogos para tentar reconstruir a íntegra mentalmente. Há expressões assustadoras: “hoje vou matar meu marido”, “não vou pra casa… minha mulher está com 100 quilos”, “vou mudar de vida, me separar, casar com minha secretária e ter três filhos… apesar dos meus netos!”.
Nas redes sociais, fiapos de insatisfação fazem eclodir o “lado B” das pessoas
Todos carregam diversas personalidades. A pressão social nos obriga a adotar posturas “bem comportadas”, condizentes com o padrão vigente. “Viver em sociedade é ser hipócrita 24 horas por dia”, repete um colega. Rechacei a afirmação, mas aos 54 anos, começo a dar razão a este incorrigível Dom Juan, travestido de jornalista há mais de 40 anos. É impossível fazer tudo “que nos dá na telha”, mas abrimos mão de muitos prazeres em nome de uma “vida de fachada” que impinge grande estoque de frustrações existenciais.
Muitos têm o “lado B” obscuro, cheio de mistérios, repleto de lembranças horríveis de atos condenáveis perpetrados na juventude ou na tenra idade adulta jovem. Hoje, porém, os desejos ganharam fluidez. Liberadas por ferramentas como as redes sociais, a busca de aventuras é um hobby de milhões de insatisfeitos de todo gênero.
Através de desabafos postados no facebook, noto fiapos mirrados de cansaço existencial.
Cuidado! Pode ser um sinal de que o “lado B” possa explodir a qualquer momento!