Estão sempre belos. A barba quando cresce nunca vai além do corte dos três dias, o suor não tem cheiro e o olhar oferece possibilidades além do tédio cotidiano. E as mulheres? Todas sexy, mesmo nos momentos mais difíceis, elegantes empresárias ou, mesmo no lar, exuberantes! Eu falo destes verdadeiros totens de tudo que gostaríamos de ser, exemplos de elegância e beleza mesmo em momentos extremos, as estrelas das telas! A vida real nos derruba. Não tem como manter as aparências na fila do ônibus, da consulta médica. Tem gente que culpa o cinema, as séries de televisão por criarem a ilusão de que, aqui tudo é possível. Um dia, quem sabe? Mas o que seríamos nós sem estas fantasias?
Somos os que sofrem sem dinheiro para psicanálise. Bebemos cerveja barata e vinhos de mesa sem cuidar a safra. Compramos as roupas da moda em grifes copiadas na China, por trabalhadores tão escravos quanto nós. Muda o sistema, o idioma. Mas os sonhos são sempre os mesmos. As pessoas que vivem nas grandes metrópoles, têm muito em comum e a grande maioria, não brilha como as estrelas.
Nos anos 70, uma banda inglesa – The Kinks – gravou um disco emblemático, “Everybody’s in showbiz”, onde canta a vontade das pessoas comuns em tornarem-se “stars” e o contraditório cansaço das grandes estrelas, que apenas queriam ficar sós. Santa insatisfação.
A canção ironiza a vaidade e a fantasia que imprime o nome e a palma da mão dos grandes astros nas calçadas, “Você pode ver todas as estrelas, enquanto anda por Hollywood Boulevard. Alguns você reconhece, outros nem sequer ouviu falar. Pessoas que trabalharam, sofreram e lutaram pela fama. Alguns conseguiram, outros sofreram em vão”, diz a letra dos irmãos Ray e Dave Davies.
Ter o nome gravado em cimento, ou ser reconhecido por todos nas ruas. Acho que não é bem isso o que a grande maioria busca nos filmes ou novelas. O que as pessoas querem é justamente o escapismo que tantos condenam, uma ilha de fantasia onde a vida, nos dias de hoje, é feita por câmeras de alta resolução e os sonhos se tornam ainda mais reais.
Basta olhar no espelho, no contra-cheque ou nos relatórios financeiros de nossos empreendimentos, que tudo nos cobra uma dose elevada de energia. O físico inglês Geoffrey West, em sua palestra no Fronteiras do Pensamento, destacou que as pessoas hoje trabalham muitas horas a mais do que há 20 anos atrás e mesmo assim, vivem mais. Precisam de especialização, mestrados e cursos técnicos intermináveis.
E estão mais saudáveis em sua batalha diária. Nos finais de semana, ou em horas definidas em agendas digitais, conseguem um cinema com pipocas. Iguais aqueles de tempos passados. A diferença é que não existe mais culpa. Sabem diferenciar a realidade da ficção.
Chega a noite, o trabalho foi pesado, o casal cansado fez a higiene pessoal, vestiram pijamas, ou os trapos mais leves para o conforto de uma noite. Nada igual ao glamour de uma Julia Roberts e Richard Gere, em “Uma linda mulher”.
Mas basta apagar a luz, que o roteiro ganha outros contornos. O amor se veste das cenas gravadas em tantas histórias bonitas e faz do estresse uma seleção dos melhores momentos nas telas ali, nos lençóis do cotidiano.
Cientes de que, mesmo as mais ricas estrelas, também enfrentam a dor da vida real. E quando fecham os olhos, fantasiam, quem sabe, com a vida que levamos. Nós, humildes mortais.