Uma das atrações da CulturArte foi o lançamento do livro “Ninguém me explicou na escola”, do autor Fernando Favaretto, ex-estudante do Colégio São Miguel. A noite de autógrafos ocorreu no sábado, na Secretaria de Educação e Cultura. A obra foi escrita com base no diário escrito a mão pelo jornalista nos três anos em que viveu no município.
O escritor nasceu em Boqueirão do Leão, mas viveu sempre em Sério, até 1992, quando se mudou para Arroio do Meio. Escolheu o seminário porque era uma possibilidade de seguir os estudos, de fazer o Ensino Médio, na época não ofertado em Sério. “Também porque, de certa forma, algo nessa vida de seminarista me instigou, despertou um pouco da minha curiosidade.”
Ele conta que nunca se sentiu exatamente com vocação para a vida religiosa, mas também nunca a descartou como possibilidade, afinal “quando se tem 15 anos, tudo é muito mistério e medo, mas também desafio e curiosidade”.
Favaretto abandonou a carreira sacerdotal depois de quatro anos de estudo (três em Arroio do Meio e um em Lajeado), justamente porque, mais amadurecido, percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio. “Também por ter percebido as contradições da igreja como instituição, sua falta de clareza com relação a muitos dogmas, seus silêncios sobre sexo e castidade, a incoerência de muitos padres/freis com vida dupla”, revela.
Os diários, conta o jornalista, existem até hoje. Ele os escrevia porque precisava, de alguma forma, desabafar sobre muitos conflitos, e não se sentia à vontade para falar deles com amigos e colegas, em função de timidez, de insegurança, de medo e de culpa.
Narrado em primeira pessoa, o romance apresenta um adolescente que encontra num seminário as tentações das quais queria fugir. As principais delas têm relação com o seu desejo por homens, algo que sentia desde a adolescência, mas que acreditava ser algo errado, sinal de algum problema, de alguma falha de caráter, de alguma inadequação. “Acreditava que num seminário, num ambiente religioso, não teria tempo nem motivação para pensar nessas questões, para reprimi-las ou para delas, supostamente, me curar.”
A ideia de fazer um livro com os desabafos surgiu quando, em 1996, Favaretto decidiu passar os diários para o computador, pois estavam em cadernos velhos. “Comecei a dar a eles um caráter mais ficcional, comecei a criar algumas histórias, a desdobrar alguns fatos em outros, a exercitar um olhar diferente sobre o passado, quase como um exercício de reinvenção de mim mesmo.” Aos poucos, os diários deram lugar a uma nova narrativa, inspiradas, também, pelo seu medo de ter que servir o Exército, o que seria voltar para um lugar parecido com o seminário, de onde recém havia saído.
De volta à cidade
Voltar para Arroio do Meio significa para o escritor uma celebração da memória e da acolhida, porque, apesar dos problemas e dos conflitos dos quais fala no livro, garante que viveu grandes e felizes anos na cidade, conheceu grandes pessoas, aprendeu muito, sobre muitas coisas. “Fui provocado pelas circunstâncias a me conhecer como ser humano, a compartilhar a vida, a olhar para mim mesmo e para os outros com olhos diferentes daqueles com os quais fui ensinado a enxergar.”
Além do lançamento do livro, ele participou de um encontro da turma do Magistério do São Miguel, depois de 20 anos. “Poder estar com essas pessoas é poder celebrar a memória, essa instância de nós que nos move e nos alimenta, tanto quanto nos ensina a não esquecermos que somos construção, que somos seres em movimento.”
Quem é Favaretto
Formado em Letras e em Jornalismo, atualmente mora em Porto Alegre, onde é diretor da Ufrgs TV. Trabalha também com educação à distância, faz doutorado em Educação, na Ufrgs. Em 2013 lançou seu primeiro romance “Sobre dores, amores e uma panela velha”.