A moça era bonita, tinha um olhar forte, agressivo. Queria assunto. Eu como marido fiel, desviei a vista para a paisagem e fiz cara de primavera, para combinar com a estação que iniciava. Ela insistiu e retornei ao inverno. Fachada fria, sujeita a chuvas. A guria seguiria seu caminho, imaginei. Meio-dia, restaurante quase lotado, não era momento para esse tipo de coisa. Encontrei uma mesa vaga e me concentrei no almoço frugal, exigido pela eterna dieta. De repente, surge ela, outra vez, bem à minha frente. “Posso sentar?” É claro que autorizei, sou um homem educado.
Lá pelas tantas, ela olha bem fundo nos meus olhos e pergunta se, por acaso, sou jornalista. Respondo que sim, já temendo alguma queixa. É geralmente assim que acontece. “Então foi o senhor mesmo,” afirmou. Antes de gelar ainda mais o ambiente, ela sorriu e explicou que, na adolescência, praticara ginástica rítmica desportiva, GRD, em um tradicional clube de Porto Alegre e eu a entrevistara.
Fora campeã em torneios internacionais inclusive. E numa destas conquistas, eu a entrevistara como promessa de medalhas olímpicas. Uma grave lesão interrompera sua carreira. Poderia ter retornado, mas a família não a incentivou e hoje, era uma feliz advogada. Em casa ainda tinha o recorte daquela notícia. Quase me emocionei com aquele inusitado reconhecimento. Sempre achei importante apoiar outros esportes, além do futebol.
Sei que muitos jovens nem precisam sofrer alguma grave lesão, como foi o caso desta moça, para interromper uma carreira promissora no esporte. A falta de incentivos, de patrocinadores e de visibilidade nos meios de comunicação, os leva a desistirem. E ficamos sem medalhas em modalidades competitivas, como a ginástica, o atletismo, a natação, a esgrima e tantos outros. O futebol, mesmo com times caros e atletas medíocres, é o eterno dono das atenções na mídia.
Aos que fugiram à regra futebolista, restam antigas reportagens, recortes em álbuns de fotos e molduras em quadros. Esta moça me fez ver que, de uma maneira singela, meu trabalho sobrevive. A minha parte, pequenina, eu sei, não deixei de fazer. E me orgulho de ter assinado o registro de uma conquista, tão importante para esta ginasta, que a fez lembrar do repórter anos depois.
Quem sabe não estou em outros tantos recortes? Amarelando com o tempo, mas responsável pela memória de um momento único, para cada um destes valorosos atletas amadores. Isso é tão bom, ou melhor do que ser o âncora de esportes em uma grande emissora, tantas vezes, mais popular que os atletas que apresenta..