“Vitalício!” O chamado ecoou pelo corredor do edifício e um sujeito enfatiotado virou-se em busca da voz que o chamava. Irritado, sinalizou com as mãos para o dono da exclamação diminuir o tom. Já não bastava carregar um nome tão estúpido? Precisava colocá-lo em altos decibéis para todos? Giba, um dos mais fiéis amigos de nosso personagem, gritava com um bilhete entre os dedos e dizia, agora sem gritos, que o abrira, sem querer, era para Vitalício e dizia assim:
“As mãos atrevidas derrapam cegas entre coxas comprimidas. Sítios de antigas macegas, hoje macio portal de uma rota que mesmo única, jamais repete o percurso até o final. Aqui, tão distante, quisera poder despir a vestal, que nesse exato instante, solitária, abre tais delícias.” Era o mico que faltava: “De onde tiraste isso!” reclamou Vitalício que, embora carregasse a eternidade no próprio nome, vislumbrava o limite de sua paciência. Era um minipoema erótico, versos instantâneos que escrevera para uma namorada que não via há muito tempo.
“Pelo menos conquistaste o tal portal?” perguntou Giba, com a cruel ironia de um sujeito que não é afeito a declarações amorosas ou poéticas. Desconcertado (palavra sem concerto essa, não é mesmo?), respondeu que o poeta e a musa, haviam optado por um relacionamento light. Encontros eventuais, mas sem compromissos de datas oficiais. Assumiam-se como amantes, dentro de um universo particular e absolutamente íntimo que, naquele instante, o inoportuno amigo invadira.
“Esse é o relacionamento perfeito. Ela lá, tu aqui! Odeio quando começam a te apresentar a mãe, o pai. Pior, convidam-te para horripilantes aniversários de sobrinhos e tios e avós chatos. Mas se tiver que escrever esses poemas para atrair a mulherada… é perda de tempo e te expõe muito. Não poetiza a relação. Seja maduro, solta a gravata, tira o gel do cabelo pelo menos nos finais de semana. Tem bares ótimos onde elas só querem prazer por uma noite e um amanhecer relaxado, sem datas e compromisso com essa coisa chata que é andar de mãos dadas, por exemplo”, teorizou Giba.
Ambos se dirigiram até um boteco na Cidade Baixa, onde embalaram acaloradas teses sobre a vida. Giba dizia que o ideal de relação é quando existe total independência entre as partes envolvidas. Nada de olhares em público, ou visitas ao local de trabalho. E por favor, sentimentos de posse? Se naquela decisiva hora do acasalamento. Vitalício, bradou a saudade que sentia, principalmente por recusar-se a sair com “loucas” como classificava o amigo. Mas reconheceu que precisava manter a relação “light” por uma estratégica questão de sobrevivência.
Eu sei, em tempos de eleições, o tema parece frívolo. Mas é o que efetivamente permanecerá em nosso cotidiano, além de novos governantes, é lógico. Assim, desafio os leitores a me responderem: o que vale atualmente é o amor coado a moda antiga ou o instantâneo e solúvel?