Letícia e Fernando viajaram por uma semana a Natal. Mergulhos em águas calientes e azuladas, precedidos por passeios de buggy “com emoção” pelas cinematográficas dunas brancas que obrigavam o uso de óculos escuros. Drinques locais, cerveja gelada, frutos do mar e, para encerrar, noites de amor sem novidade. Vinte e três anos de convivência resultaram num filho, já adulto, radicado na Nova Zelândia. As noitadas em bares com amigos, as saídas para jantar fora, dançar e dormir de conchinha no motel sumiram.
– Isso é fruto do estresse e das preocupações com o financiamento da nova casa, neste condomínio chique – pensava Letícia.
As discussões eram prato do dia. Nunca mais se encontravam para almoçar ou curtir um happy hour.
– Quero é ir pra casa, tomar um banho e me jogar no sofá – se esquivava Fernando, executivo de uma grande empresa de planos de saúde.
O mais recente diálogo civilizado, sem brigas, resultou na ideia de viajar ao nordeste para tentar recauchutar a relação, curtir a vida longe dos amigos palpiteiros, dos parentes enxeridos, dos colegas de trabalho que bisbilhotavam a intimidade do casal. Quase todos sugeriam “dar um tempo”, antes que o decadente casamento se transformasse em peleia pública.
O café da manhã imitava o casamento que buscou socorro em terras distantes
Nas cálidas águas de Natal, escolhidas para tentar tirar a relação da UTI através de módicas prestações na CVC os primeiros dias até que foram agradáveis. Mas aos poucos a rotina gaudéria se transferiu para as proximidades do Morro do Careca, visível do restaurante do hotel, onde os longos silêncios ganham vida para sufocar tentativas de afagos e beijos de língua.
Na véspera da volta ao Sul, Fernando esvaziou o frigobar e finalmente se encheu de coragem.
– Negócio seguinte, Lelê… Não dá mais. Não tenho mais saco pra levar este casamento adiante. Decidi sair de casa, dar novo rumo a minha vida. O Paulino já é adulto, somos profissionais de sucesso e não teremos problemas de grana. O que tu acha?
Letícia não esboçou aquele olhar típico de “viúva de marido vivo”. Pelo contrário. Mal conseguia disfarçar a alegria nos olhos castanho-escuros que iluminavam o corpo mignon, bronzeado, repleto de curvas forjadas por horas a fio na academia.
– Puxa vida! Pensei que tu nunca ia falar! Fico feliz com a tua decisão porque nos evita mais brigas. Tive a mesma ideia. Por isso mandei vir toda a minha mudança pra cá. Vou ficar aqui, recuperar o tempo perdido. Quem sabe aparece alguém de sotaque nordestino…
No dia seguinte, a trilha sonora do café da manhã era o som do trinca ferro, pássaro típico da região. O burburinho dos turistas era imperceptível. Naquele dia, o desjejum imitava o casamento: morno, insosso, infindável.