Sempre havia uma tonelada de trabalho a concluir. A competente profissional e elegante mulher piscou os olhos na tentativa de ver aqueles ofícios e relatórios milagrosamente transformados em diamantes lapidados. Que nada! O neurótico soar do telefone a reconduziu a realidade sem charme: um dos tantos coordenadores lhe cobrava os textos encomendados. Escrava das tarefas perfeitas tornara-se uma espécie de objeto de desejo da grande maioria e de invejoso desprezo de outra turma que insistia em relegá-la a um segundo plano.
Volta e meia, a escondiam em um canto obscuro do escritório. O isolamento não durava muito. Quem a admirava pela classe, a localizava pelo perfume – sempre discreto – e, é claro, marcante. Quem simplesmente respeitava a eficiência profissional a encontrava por meio de e-mails e dezenas de telefonemas que repassavam, invariavelmente, tarefas mal cumpridas por outrem.
As secretárias a baniam escancaradamente. Discreta, seduzia chefias – fossem homens ou mulheres – com a sensibilidade de quem fareja fraquezas e reforçava a vaidade destes com adjetivos calculados. Nas gavetas, sempre havia algum artigo de próprio punho. Mulher de opinião, que obrigava os outros a vasculhar dicionários com seus textos enxutos e criativos.
Promovia um jogo sedutor que iniciava em temas de alto teor social ou cultural e fatalmente, resvalava na intimidade de confissões pessoais. Filhos, casamentos, alegrias e frustrações. Confidente e amiga, olhar de plena admiração encantava, mesmo velhas raposas. Claro que, ao conquistar espaços, alimentava a fofoca.
Na verdade, seu incontestável talento para executar qualquer tarefa com perfeição, dispensaria encenações. Mas as mulheres vencedoras ainda enfrentam preconceito e assédios de toda espécie. Se de um lado conquistava chefias, a ala feminina a excluía enquanto os colegas homens, a incluíam, é claro, em propostas obscuras. Ela recusava a todos.
Ao mesmo tempo, assistia as colegas, “secretárias para todo tipo de serviço”, bronzeadas e faltando impunemente ao trabalho. Ganhavam pouco, mas conquistavam vantagens “extras”. No limite do estresse, dizia que na próxima encarnação, nasceria “burra, mas sabendo usar a estampa para viver melhor”. Ali, estavam universos femininos distintos embora prisioneiros do mesmo preconceito.
Ter uma presidente mulher, ainda não eliminou o fosso para a total independência feminina. Quantas destas guerreiras tiveram casamentos desfeitos porque os maridos, ignorando a lógica do intrincado jogo da sobrevivência feminina, as haviam confundido com um tipo fútil de mulher. Esqueciam que eram os próprios machos da espécie a impor esse jogo.
Caras e bocas ainda integram o currículo de muitas mulheres de notória competência profissional. Quantas, muitas vezes, comparadas a “cinderelas” modernas, transformam sapos em príncipes, cujo encantamento não está em seu valor intrínseco, mas na caneta que assina promoções e vantagens. É isso, ou uma promissora carreira acaba na carona de uma carruagem de abóbora.

