Pescar, decididamente, não estava no projeto deste meu amigo descasado. Um típico macho da espécie que, ao chegar à meia-idade, só pensava em festa, para compensar um passado monótono. Circulou por quase todo litoral sul e não chegou ao porto desejado. Agora retornava de uma bem sucedida pescaria na Plataforma de Cidreira onde não fisgara nem uma sardinha sequer, mas observara a lua, o mar e o esforço do tio e de Cristina, que vestindo um velho e surrado abrigo, permanecia bonita.
Não fugia as suas responsabilidades, sabia que transformar o resultado daquela pesca em alimento era com ele, então, não reclamou na interrupção de sua jornada em busca de sereias festeiras. Preparou um jantar especial, na casa de Cristina. Ouviu histórias de pescador, outras de vida. Cristina também era divorciada, perdera o marido para um professor de inglês. Disse que não era preconceituosa, mas sentira-se duplamente traída.
O vinho verde português que acompanhou a janta, arejou os espíritos, transformando melancolias em boas gargalhadas. Ao final da noite, o tio, alegando cansaço, voltou para casa. Ele permaneceu, com a desculpa de lavar a louça e embalar para congelamento os filés de peixe restantes.
Naquela noite e nas duas seguintes, trocaram confidências de pele, suspiros doces carregados em maresia e suor. Foram à praia juntos. Sem dar as mãos, como se isso representasse algum tipo de compromisso. Um acordo extraoficial.
Encontrara a companhia ideal, em uma pescaria, longe da tensão frenética dos bares da moda e seus drinks duvidosos. Na hora de retornar – as férias estavam encerradas para ele – ela ainda permaneceria, o sentimento era de uma paz sem bandeira, de um armistício na batalha dos afetos mal resolvidos.
Embora decidido a não querer mais compromissos duradouros, sentia-se como aqueles peixes rebeldes que lutam contra a linha que os segura, já irremediavelmente fisgados. E só por isso que, com um fio de voz, perguntou da viabilidade de um reencontro.
“Melhor deixar assim. Foi tão bom, tão natural que não precisamos correr o risco de transformar esse momento em rotina, ou desilusão lá adiante. Ficamos só com a parte boa. Nosso vínculo será esse momento, breve, mas gostoso”, respondeu Cristina.
Meu amigo, divorciado de carteirinha, macho independente acusou o golpe. Estava sucumbindo a seus próprios e argumentos. Disfarçou com bom humor. “Na semana que vem então, o velho capitão busca outro porto para ancorar”. Nem olhou para trás ao sair. Percebera naquele momento que fora o maior pescado daquela noite na Plataforma de Cidreira.
Ela só fazia pesca esportiva. Fisgava só pelo prazer, para depois devolver ao mar. Intacto, embora a marca do anzol, às vezes, não curasse apenas com um beijo de adeus.