A psicologia explica o fenômeno que consiste em gostar de coisas, pessoas e ambientes e, ao mesmo tempo, ter muuuuito medo de tudo isso. Experimento a sensação quando bate a vontade de comer melancia. É um trauma, palavra – concordo! – pesada, que emprego por falta de um sinônimo mais brando.
Quando eu era piá no bairro Bela Vista, onde nasci, comer melancia era um hábito compartilhado por toda família. Até o meu pai – o velho Giba – partir a planta (isso mesmo!) com uma grande faca, cumpria-se um ritual que se iniciava hora antes.
Toda a alimentação que antecedia ao devoramento daquelas fatias avermelhadas, pontilhadas de sementes pretas, era minuciosamente fiscalizada pela dona Gerti, minha mãe. Não podíamos consumir leite, bergamota, laranja, mamão e uma infinidade de coisas que, se fossem misturadas à melancia, fatalmente nos levariam à morte. Daí meu medo e respeito pela “dona melancia”.
Segundo a Wikipédia, melancia é o apelido popular da Citrullus lanatus “nome de uma planta da família Cucurbitaceae e do seu fruto. Trata-se de uma erva trepadeira rastejante originária da África. É cultivada ou aparece quase espontaneamente em várias regiões do Brasil, geralmente em áreas secas e de solo arenoso”. Complicado? Mas todo jornalista tem obrigação de legar um pouco de cultura ou passar a imagem de pessoa culta.
Meu pai não sossegou até ver um pé de café florescer nos fundos de casa
O consumo da melancia ocorria domingo à tarde, depois que meu pai acordava da sesta. Tirar uma soneca depois do meio-dia era tão sagrado quanto cantar o Tannenbaum para ganharmos os presentes de Natal.
Meu pai era um fanático defensor da natureza. Plantava de tudo com denodo. Frutas e verduras lotavam nosso quintal. Lembro de um belo pé de butiá, alvo da gurizada da vizinhança que cortava galhos de onde pendiam frutos ainda verdes.
Por muito tempo o velho Giba acalentou o sonho de plantar café. Numa viagem ao Paraná ele finalmente obteve sementes de cafeeiro que “vingaram”, ostentando as pequenas bolinhas avermelhadas. Outras variedades constituíram um desafio. Às vezes pela incompatibilidade do clima ou do tipo de solo. Mas ele insistia teimosamente, aliás, uma característica do seu comportamento.
Além da teimosia, guardo o exemplo de zelar pela natureza dentro das minhas limitações. E de transmitir aos filhos a importância de preservar. O ambiente, as histórias e o folclore familiar.