De repente, ela surge. Passos elegantes, mas sem os anoréxicos das passarelas, ou os excessos das fêmeas melancia. Carrega um sopro de brisa, no andar macio, que alivia a tarde quente de outono, O gari que varria a calçada, recolheu, respeitosamente, a vassoura, para não levantar pó e admirar a bela. Cidadã responsável, ela procura a faixa de segurança e atravessa com passos elegantes, no preto e branco, a rua movimentada.
Ali estava ela a poucos metros de onde eu, e outros dois felizardos, clientes de uma tradicional pastelaria de Porto Alegre, acompanhávamos o improvisado desfile. Saia curta, blusa de corte oriental a sustentar uma leveza sexy e muito bem torneada. Cruzou defronte a porta onde com desajeitados pastéis nas mãos, mastigávamos o ar invadido por um perfume suave e doce.
Conhecem aquele olhar enviesado tipo Mona Lisa? Pois foi o que recebemos. Por breves segundos, é claro. Olhar sem arrogância, mas sabedor das consequências de tudo aquilo que um dia Vinícius de Moraes poetizou a uma certa garota de Ipanema. Beleza que não é só nossa, mas quando passa “O mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo…”.
Em nosso respeitoso silêncio, agradecíamos o dom feminino de transformar qualquer calçada em passarela. “É mulher para se guardar numa redoma de cristal. Não deixar ninguém tocar”, exagerou o pasteleiro. Não existe mulher intocável, ora essa! Se deusas elas são, aceitam amor como oferenda.
O gari voltou a sua varreção, outros clientes entraram e saíram e eu, voltei à rua. Na esquina ainda busquei por aquela visão. Vi apenas capas dos jornais em uma banca de revistas. Crimes, corrupção. As mazelas brasileiras em primeira página no desfile feioso da impunidade.
Bateu certa culpa. Tanta coisa ruim acontecendo e nós, machos bobos, a devanear no andar curvilíneo de uma mulher. Mas estamos aqui neste planeta confuso para isso. E confundimos tudo. Deixamos de olhar uma mulher bonita, para buscar amantes que o dinheiro usurpa. Não estou sendo moralista. Realista seria a melhor palavra para quem não pretende dormir sentindo-se alienado e, ao chegar em casa, terá o desfile, de uma mulher incomum. Aquela que decidi amar.