Tudo ia às mil maravilhas quando ela, em uma noite quente de sábado, perguntou com aqueles olhos grandes, cheios de devoção se ele a amava mesmo. Assim, sem ressalvas, apaixonadamente. Ele, bom marido, pai exemplar, com aquela franqueza que sempre se dividia entre a rudeza e a inocência, disparou: “Amor de paixão, sei lá, é difícil medir, mas acho que não sinto mais.” Foi o que bastou para ela, injuriada, ferida em seu orgulho despachar, sem chances de reversão, naquele momento mesmo, o cara que tinha como seu para o “resto da vida”. Resto que ela agora varria, entre lágrimas e o dedo em riste a indicar a porta da saída.
Quando mais envelheço, menos entendo o sentido de perguntas dispensáveis – especialmente pelo lado feminino da espécie – quando as coisas, aparentemente, vão bem. Outro dia, situação semelhante se repetiu. No amor não existem roteiros originais desde que tudo começou com Adão e Eva. Desta vez, o ilustre marido, casualmente também em um final de semana, de uma hora para outra ajeita a mala com um kit básico de roupas e, ao contrário do que a esposa esperaria ouvir, tipo uma viagem urgente de negócios, disse que abandonava a vida a dois.
Entre lamúrias, afirmou, à queima roupa, que sofria com lembranças de uma ex! Sim, aquela mesma “safada” que o transformara em um “molambo desengonçado da afetividade humana”, conforme suas próprias palavras, ainda o atormentava em pensamentos. Confessou que não tinha plena certeza se era dificuldades com a atual relação ou coisas mal resolvidas anteriormente. Aliás, temia ser esta a causa mais provável.
Mas decisão tomada, partiu no domingo para, na segunda-feira, sentir-se mergulhado no vácuo dos que não sabem bem o que desejam da vida, ou no mínimo, de seus amores. Voltara ao velho quarto de infância, na casa da família. E lá, ouviu dos pais, aquilo que se diz a filhos adolescentes de qualquer idade. Agira afoitamente, misturara sentimentos e magoara a mulher que verdadeiramente o amava. Assim, após um puxão de orelhas caseiro, arrependido e sentindo-se um perfeito idiota, decidiu pedir para voltar.
E lá se foi com ar de cachorro arrependido, rabo entre as pernas a pedir mais uma chance o que, em outras palavras, significa um novo acordo. Com as regras escritas por ela. Afinal, o erro fora dele, reconhecia em estudada humildade. A esposa nem pensou duas vezes. Não o aceitou de volta. Disse que doía ainda a humilhação inesperada, sentia-se “uma idiota após esse tempo todo juntos.” Ela, parceira fiel e apaixonada.
A vida estava ali a oferecer o prato mais simples: o feijão com arroz das soluções existenciais. Um perdão básico e a infantilidade de um parceiro imaturo, mas arrependido. Ele pensou e decidiu acrescentar um novo tempero, com sabor amargo de orgulho ferido Deixou seu toque pessoal. No amor, assim como na culinária, uma pitada a mais é sempre um risco. Engrossou o caldo e não o aceitou de volta.
Se me pedissem uma opinião eu responderia com outra pergunta: Ainda sente amor por ele? Ele te tratava com carinho e afeição? Em caso positivo, troque o orgulho ferido – pela afeição que sempre é transformadora e positiva. Até porque o inverno vem chegando e aquele lado frio da cama incomoda a quem se habituou ao calor do ser amado. Todos temos nossos momentos de insegurança e infantilidade. Ou aí do outro lado todos são perfeitos?

