Era uma vez um mundo perfeito. Príncipes e princesas, salvos dos dragões em seus castelos de amor eterno. Lá, bem longe, as adversidades, as bruxas malvadas e os ogros mal-humorados. O cotidiano, sem monotonia. Cortinas baixavam enquanto o destino redigia a sentença final: “…e foram felizes para sempre!” Acho que tanto entendimento me cansaria um pouco. Vá lá que o cotidiano anda coberto de dramas. Mas está dentro de nós, e não no mundo malvado, a solução dos problemas especialmente nos relacionamentos afetivos.
Imaginem que chato, que desigual, um mundo onde top models somente amariam iguais. Se o Criador não brindou a todos com os mesmos dotes de sex appeal, garantiu, indiscriminadamente, para cada um a verdadeira beleza que é a capacidade de ser único entre milhares. Muitos não percebem essa fagulha de brilho próprio e deixam esmaecer, desperdiçando chances incríveis de se conquistar seu par ideal.
Lembro um colega de cursinho pré-vestibular, o Edu. Gente fina, simpático, bom papo, mas inseguro ao extremo. Os maldosos alertavam que “com aquela cara” não poderia sentir-se muito bem mesmo. Era feio, o Edu, reconheço. Ele tinha, assim como todos da turma, uma queda por Marina, colega lindona, simpática e rica. Essas mulheres existem, acreditem. Ela rompera com o noivo. Queria festa.
Marina saía com a turma. Na hora de voltar para casa, apesar dos olhares carentes, pidões e sugestivos, pagava sua parte na conta e acelerava sozinha para casa. Em um destes encontros o Edu apareceu. Ela prometeu pagar uma rodada de cerveja ao Edu se este imitasse Roberto Carlos. O feioso reproduzia com perfeição o timbre – e cacoetes – do Rei. Como não atender o pedido de uma deusa?
Limpou o gogó e cantou: “Sem você, minhas noites são tão frias, vou morrer. Meu bem, vem depressa, vem me aquecer, quero ter você perto de mim…” e por aí seguiu. Meloso. Sentimental. E afinadíssimo. Por um destes descuidos da natureza, Marina comoveu-se. Aplaudiu o Edu em seu momento de glória e ainda o levou pra casa. Lá exigiu mais do que canções do amante à moda antiga.
Final feliz! Marina apaixonada! Edu também! Só que o complexo de sapo beijado pela princesa, atrapalhou Edu, que passou a ignorar a musa da turma. Saía com outras! Elas agora queriam uma “lasca” do feioso, ora. Coisa de mulher. Ela aproveitava a fase, era o grande matador! Marina sentiu-se usada. Meu complexado amigo, jogava fora a chance de amadurecer. De feioso, passou a ser visto como medíocre.
Nunca o julguei. Namorar uma linda mulher e ouvir “advertências” tipo “cuida bem dela” ou “Olha que tem gente de olho…” deixavam a estima do pobre coitado ainda mais baixa. Perdeu a guria, é claro. Depois disso, toda vez que incorporava Roberto Carlos, emocionava-se ao cantar “Sua estupidez”. Era seu hino. Casou anos depois e dizem as más línguas, divorciou-se em seguida, quando descobriu que a esposa não era fiel.
A Marina foi cuidar dos negócios do pai em São Paulo. Dizem que é uma elegante cinquentona. Escaldada, não admite falar em casamento. “Homem é tudo igual”, sentencia até hoje. Não é bem assim. Às vezes acreditamos mais na imagem que nos foi imposta e nos perdemos no labirinto que conduziria aquela que melhor nos representa. E o final da história, será aquele que decidirmos.