Sentou-se próximo a um grupo de senhoras que se deliciavam com café e fatias de torta. A padaria, no centro de Lajeado, o acolhia em meio a uma tarde tensa. O tagarelar animado na mesa ao lado, o aliviava após uma discussão frívola com a esposa sobre gastos no supermercado. Os negócios não iam bem. Precisavam economizar. “Está faltando tudo em casa!”, esbravejara a mulher. Deleitou-se com a conversa alheia até esta tomar o inevitável rumo da fofoca.
“Vocês sabem o que fez uma amiga minha?”, perguntou, com olhar grave, justo a mais calada das senhoras. Ela mesma respondeu: “Primeiro seduziu um colega de aula, aquele típico homem carente, estima em baixa, conta bancária em alta. Ela é casada, mas como o marido anda com problemas financeiros, aproveita o rolo, para assegurar o rancho de casa. A danada enche o carrinho e até vinho compra para o marido. O que vocês acham disso?”
Alguma coisa o atingiu, uma assustadora familiaridade, com o marido traído do relato. Pagou a conta e tomou o rumo de casa. Ao chegar não encontrou a esposa. Na mesa da cozinha, um bilhete: “Levei as gurias na avó. Para te poupar, já fiz as compras. Não te preocupa, gastei pouco. Meu único excesso foi contigo: comprei aquele Malbec argentino que tanto gostas. Vamos bebê-lo juntos. OBS: Também te comprei um aparelho novo de barbear. Assim teu rosto fica macio como eu gosto. Um beijo!”
Em qualquer outro momento, aquela disposição para reatar após uma briga, o teria deixado feliz. Mas depois daquela tarde na padaria, a desconfiança o derrubou. Quando a esposa chegou, o ciúme o transformara em um zumbi. Olhos fixos na tevê. Queria sumir, expulsar o vendaval que lhe atormentava. Mas sentia-se impotente e atônito. Um diminuto personagem de fofoca.
Encurralado, decidiu que daria um tempo nos cafés, na padaria. Não admitia o ciúme. Era um homem moderno. Mas por precaução, as compras da família, a partir de agora seriam sempre feitas a dois, “Afinal, essas coisas chatas temos de dividir, meu bem”, justificou.
A mulher achou melhor não contrariar, enquanto voltava da cozinha com taças para um brinde. “Não está faltando uma?” pensou. Ele que se dizia um marido liberal, moderno, alheio as angústias de posse, não iria entregar-se assim. Recriminou a maldade alheia que lhe envenenara. Mas aquele vinho, e o beijo que veio em seguida, tinham uma acidez diferente. Coisas de safra, preferiu pensar.