As férias de inverno foram curtas e debaixo d’água. Esperavam a hora do embarque na rodoviária. Eram namorados virtuais que se encontravam entre frestas burocráticas. Assim, tentavam racionalizar aquele momento. Afinal, amavam antes de tudo a introspecção de suas vidas independentes, seus livros, as discussões às vezes acaloradas pela internet. Ali, em meio a toda aquela gente eram dois polvos desajeitados. As mãos pareciam tentáculos que não sabiam onde tocar, ou o que abraçar. Simplesmente cingir a cintura um do outro pareceria algo óbvio demais para um ambiente já extremamente carregado de encontros e despedidas.
Desta vez, o período juntos serviu de teste para, quem sabe um dia, dividirem o mesmo teto. No fundo, achavam que não iria funcionar. Eram colegas de profissão e pessoas em um ambiente extremamente frio e profissional. Ela gerente de banco, ele contabilista em uma loja de ferramentas. A atração mútua acontecera em função do gosto comum em livros. Nestes dias, talvez em função da interminável chuva, a química dos corpos falara mais alto! Eles que gostavam tanto de discutir teses e analisar situações, acabaram dominando a ansiedade intelectual em noites, manhãs e tardes de muita paixão.
Tão habituados estavam a liturgia das burocráticas relações humanas que a história que escreviam há tempos, parecia fadada ao fracasso. Achavam ser ilusão passageira. Insistiam em racionalizar os sentimentos. Ele mais do que ela, acreditava que embora a atração mútua, era preciso ponderar os pontos contra. E não encontrava os tais pontos, nem mesmo no calor de uma rodoviária agitada, cheia de gente preocupada em não perder bagagens e horários. Contras? Onde estão vocês?
Lembrou a poetisa Anais Nin, “Os sonhos dos homens e das mulheres são os mesmos, sejam ricos ou pobres, cultos ou não. O inconsciente é universal. E aí as coisas brotam do sentimento e do instinto. Não passam pelo processo de racionalização”. Encabulados, se beijaram com a ternura do primeiro beijo e, em seguida, com a deliciosa sabedoria de outros tantos. Quantas cenas idênticas estariam acontecendo em aeroportos, ferroviárias ou estações orbitais de galáxias bem mais avançadas do que a nossa?
Em tempos passados, teria recuado ao ver o choro contido da namorada. Mas comoveu-se também. Tampouco sentiu vergonha da cena. Mal o ônibus arrancou, saiu apressado. E filosofou a violência da sociedade nascida na racionalização da brutalidade. Amar é bom. É do bem. Em seguida, enviou um whatsapp confessando que a ausência dela era “aguda e impertinente”. Ao redor, o povo apressado da rodoviária, lhe pareciam anjos e querubins a abrir passagem para um homem feliz. Apaixonado.
Se você leu até o final esse texto e o achou meloso e irreal, é sinal de que precisa, urgentemente, rever alguns conceitos. Quem sabe entregar-se ao único prazer que não tem preço e é vetado apenas a quem não sabe, ou melhor, não se permite a uma entrega sem reservas.
Amar é ser funcionário no escritório contábil da alegria. Soma daqui, tira dali. Às vezes, algum excesso por isso ou aquilo, mas sempre deixando uma boa reserva de esperança. Quando mais se ama, menos burocrática se torna a rotina. Por mais pragmáticos e previsíveis que possamos ser, é assim que acontece. Tente e me diga depois, qual foi o resultado.