O marido da Dinorá acompanhou a votação que assegurou o aumento de ICMS no Rio Grande do Sul até o último minuto. Ele estava dividido entre apoiar a iniciativa e a busca de novas alternativas para as finanças do Rio Grande do Sul. Ela atenta a outro universo, assistia televisão. E torcia que tudo se encerrasse assim, sem problemas, sem mais protestos, sem brigas. Não se sentia uma alienada, sabia muito bem aonde repercutiria a medida. A vida não estava fácil, era quem administrava as finanças da casa e já renunciara a pequenos prazeres em nome do ajuste doméstico.
Por exemplo, produtos de beleza importados, com o dólar em picos nunca antes vistos de US$ 4.05, não frequentariam mais as imagens dos muitos espelhos de casa onde gostava de se mirar. Ela sofria com isso. Mas a indústria nacional está se puxando, quem sabe não a seduziria com novos produtos, alguns tão eficientes quanto os importados? O certo é que estariam mais caros. O tal do ICMS mais alto! E a CPMF, que taxaria toda utilização de seu contabilizado dinheirinho para salvar as finanças do Brasil.
Cancelaram o projeto de férias que seria finalmente no exterior. E ainda não haviam decidido para onde ir. O turismo no Brasil está caro. Estava cansada de Porto Seguro e outras rotas de pacotes turísticos. Gente demais, aqueles indiozinhos malas a empurrarem quinquilharias. Já tinham em casa fitas do Senhor do Bonfim, colares e missangas suficientes para abrir um bazar. “Ai, ai. Estás matutando o que Dinorá?” E ela, não se sabe da onde, tirou a sugestão de comprarem um sitio. Algum lugar bacana na Serra, quem sabe?
“E aí nos sentamos na varanda, tomando o chimarrão do dia, porque duas vezes encarece muito, só a espera dos bandidos. Ladrões de galinhas que agem enquanto estamos fora, ou bandidos do tipo que sequestram e transformam a paz em guerra de nervos. Dinorá! Ora, Dinorá!” resmungou o esposo enquanto preparava um sanduíche ainda não sobretaxado.
“Eu quero fugir daqui!” E outra vez o marido argumentou, que os países ricos estão saturados de refugiados de lugares tão piores que o nosso que, muitos deles, acabam por aqui, no Brasil. Dinorá gritou. O marido achou que era fome e lhe enfiou, goela abaixo – feito governante taxador – um pedaço de pão com queijo e presunto. “Aproveita que voltaremos à mortadela!”
O rancho de casa seria racionado. Não tinham cartão corporativo.
Agendaram um jogo de cartas com um casal vizinho. Nada de cinema nos próximos meses. Jantar fora, só na varanda coberta de casa. Mal haviam apagado a luz, o marido reclamou. Dinorá. Aquele bate-boca dos deputados me tirou o sono. Ela pensou em entregar-lhe um livro, desses de letra bem pequena que chamam o sono instantaneamente. Mas a diversão andava tão rala, que resolveu relaxar daquela maneira que até recomendação bíblica recebe. E feita em casa não tem cobrança de imposto. Ainda…