Apavorado com as janelas que batiam sob a força da tormenta – evento climático que já virou rotina em Porto Alegre -, o casal correu para fechá-las enquanto a filha de oito anos, observava a fúria da natureza abraçada a uma cortina. Quando a menina arriscou um olhar do tipo arregalado para a rua observou, na calçada, o esquálido mendigo embaixo de uma árvore também magrinha e sem folhas.
A menina aproveitou a distração dos pais, correu à cozinha, puxou a toalha plástica da mesa, voltou à janela e a jogou para o sem-teto que, de olhos arregalados via a toalha abrir-se e voar feito um paraquedas descontrolado. Caiu bem aos pés do mendigo que imediatamente a enrolou no corpo, protegendo a cabeça.
Um sorriso sem dentes e uma mão grossa feito lixa, acenavam para a criança, agora cercada pelos pais. A guria estava com as bochechas e braços respingados de chuva e feliz, certa de que aquela toalha ajudaria aquele homem nas horas de chuva e frio. Papai e mamãe não entendiam bem o que acontecera, mas quando olharam para baixo, a cena do homem protegido com sua toalha de mesa, lhes fez compreender o gesto da filha.
Não era apenas um catador de lixo a pular na rua, com uma capa improvisada, pintada com frutas e flores de cores berrantes. Era um primeiro gesto solidário de uma criança. E essa descoberta, valia qualquer susto, cobria o valor do bem arremessado janela afora.
Um andarilho, cujo lar é a rua, agora pode dizer, sem medo de errar, que na cidade grande e fria, lhe aconteceu um milagre. Em um dia de muita chuva e vento, foi jogada de um arranha-céu, uma capa colorida de plástico. E ele ainda conseguiu confirmar que fora um anjinho sem asas, mas com um sorriso de pura luz.
Havia tanta energia, que o fez sair a pular feito cabrito, feliz entre aquela gente cinza, guarda-chuvas e caras amarradas. Eles só pensavam em chegar logo em casa, o resto que se danasse. Mas ele sabia que estava em casa e cada vez mais próximo do céu, seu verdadeiro lar.

