Jorge, aos 66 anos, era um típico marido caseiro. Carinhoso com a esposa, atento aos netos e, para dizer que nunca fazia nada, participava de trabalhos comunitários, em comunidades carentes. Às vezes, ia acompanhado pelo filho mais velho, que tinha lá suas ambições políticas e gostava de atividades como esta. A mulher o acompanhara algumas vezes, mas geralmente outros compromissos, especialmente em atividades ligadas à Igreja, absorviam seu tempo. Nos encontros com amigos, as longas rodadas de carteado, a comilança e os comentários absolutamente normais sobre a roubalheira nacional, a violência e o custo de vida, cada vez mais alto e perigoso.
Tudo seguia uma rotina boa, daquela que não cansa, não enjoa, porque se volta ao melhor sentido a uma aposentadoria planejada. Mas na semana passada, não se sabe bem como ou porque, alguém falou ao Jorge sobre uma reforma num sítio que ficava num distrito vizinho, e por ser distante, era conhecido por Beleléu. Os familiares do Jorge até reclamaram que ele não podia pegar mais no pesado. “Olha a coluna, pai”. Ele desconversou, disse que iria só trocar algumas tábuas velhas. Coisa pequena.
A pasmaceira acabou quando um antigo amigo da família ligou e disse que as madeiras encomendadas estavam prontas. O filho do Jorge aproveitou a folga e, para não sobrecarregar o pai, acompanhou o pessoal. O lugar era bonito. Piscina, grama bem cortada, árvores frutíferas. As obras de reforma andavam a mil. Entrega feita, retornaram, mas, bem no meio do caminho, o filho se deu conta que esquecera o celular próximo a um caqueiro.
Abasteceu o carro, tomou um café e retornou algumas horas depois. Ao chegar viu o carro do pai, e outro, um sedan japonês reluzente. Nem precisou chamar o pai. Ele apareceu, rosto avermelhado, olhos esbugalhados, seguidos por uma senhora – a viúva do padeiro! – enrolada em uma toalha que ele conhecia bem. Assim como reconheceu a poltrona, o velho sofá e a televisão, alguns quadros e luminárias que Jorge dissera à família que doara a uma família carente.
“O que você está fazendo aqui?” gaguejou Jorge. E começou com as explicações esfarrapadas de quem pula a cerca. “Não é nada disso que você está pensando”, ou pedir, de joelhos, que ele não contasse nada em casa. “Meu casamento! Amo a tua mãe, não posso acabar assim”.
Mas o que irritou mesmo o filho, não foi ver o próprio pai arrasado, literalmente de cuecas na mão. Ouvir daquela boca que considera a mais justa e honrada da cidade a mentira maior, a frase “Esse sítio não é meu. É de um amigo”, o deixou injuriado. Tão furioso que saiu porta afora, sem ver o pai desabar na poltrona com aquele olhar de cachorro surpreendido com o canarinho da vovó na boca.
No caminho de casa, o filho concluía, “esses políticos são um péssimo exemplo. Uma má influência.” E só por isso, negociou com o pai uma alternativa para evitar uma crise doméstica sem proporções. Entregar a reforma da chácara, parar com aventuras secretas e levar a esposa para conhecer o local. “Mas sem essa de que é de outra pessoa. Se mentir de novo, não volta para a casa que você diz que é seu palácio. Mentiu, vai ter impeachment!”.