Na juventude, “seu” Alfredo precisou viver quatro anos em uma “república”, nome que davam as pensões de antigamente, geralmente imensas casas de família que alugavam cômodos, no centro de Porto Alegre. Não era um paraíso, todos eram muito humildes, mas o aluguel barato compensava. Lá vivia todo o tipo de gente, a maioria do interior, como ele. Eram operários, estudantes, comerciários e comerciantes em início de carreira.
Todos obedientes às regras de convivência definidas pelos proprietários da casa e moradores. Eles procuravam alugar para famílias, mas mesmo assim não era possível evitar gente mal-intencionada, alguns com hábitos ruins, tipo furtos ou bebida. Passados tantos anos, Alfredo me garante que a idade lhe ensinou que a “república”, onde viveu nos tempos difíceis, assemelha-se muito a república brasileira de nossos dias, em Brasília.
“Posso estar dizendo bobagem, mas mesmo em nossos dias de hoje, tão violentos, de tanta corrupção e pobreza, tem cidadãos e políticos honestos lutando para limpar o país desta gente desqualificada”, argumenta. Ele lembra da vez que lhe roubaram todas as roupas do varal comunitário. “Reclamei e o dono da república, acompanhado de outros moradores, bateu de porta em porta investigando. Sabe o que aconteceu? As roupas apareceram misteriosamente, em um canto da escada”. Alfredo compara as longas reuniões de moradores com a movimentação nos parlamentos. “O casal que roubou os meus pertences acabou expulso, pois haviam afanado bens de outros inquilinos”.
Ao final das contas, era agradável viver lá. As pessoas se ajudavam, queriam crescer, melhorar a vida, dar bons exemplos e estudo aos filhos. Tinha o italiano Nino, com sua mania de tenor de ópera a alegrar a república com seu vozeirão potente. Um português emotivo, Antônio “Vermelho”, oferecia todo mês uma imensa bacalhoada. O pessoal não abusava, cada um levava algum tipo de reforço, como salada, arroz ou doces. Eles representavam o lado bom da vida na república do Alfredo, atenta contra os “maus” que tentavam infernizar aquela coexistência pacífica.
O cotidiano deste grande e exuberante Brasil, que luta contra desigualdades desde sua colonização, quem sabe, esteja mais perto de uma do ideal de progresso e democracia social. Eu sei, a nossa república, tem poucos parceiros confiáveis nos postos que realmente decidem. E às vezes parece que os bandidos são a maioria porque, envolvidos em nossa própria sobrevivência, esquecemos de focar em projetos realmente viáveis e trocamos votos por ilusões assistencialistas e imediatas.
Os governantes, “síndicos” de nossa república acomodaram-se no troca-troca da corrupção. Saíram de mãos dadas com os tocadores de obras, empreiteiros e empresários sem escrúpulos, que transformaram o pessoal dos quartos, tanto à direita, quanto à esquerda, em uma coisa só. O que faremos a partir de agora? Meu amigo Alfredo, com seus quase 90 anos, diz que não será aos berros e pegando em armas que chegaremos lá. “É a educação, o diálogo e a força de lideranças éticas que promoverão a mudança e trarão uma leitura menos afável do sentido de justiça”, garante Alfredo.
Esses antigos casarões transformados em repúblicas, foram o amparo de muitos que, semelhantes ao Alfredo, se tornaram pessoas responsáveis e dignas. Pais de família, profissionais competentes e bons vizinhos. Entre eles muitos serviram de inspiração aos “Alfredos” que tinham vocação política. “A boa política”, alerta meu veterano amigo. E se ele, já quase centenário não perdeu a fé e a lucidez, não serei eu a jogar a toalha. “Os maus, serão despejados da república. Não estarei aqui para ver, mas lá de cima acompanharei tudo”, me promete. Eu acredito. E você?

