Brasília – Em uma sessão histórica, 367 dos 513 deputados federais brasileiros decidiram, no domingo, pela admissibilidade da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, acusada de crime de responsabilidade, com as chamadas pedaladas fiscais. O processo segue agora para o Senado, que vai analisar e decidir pelo afastamento, ou não, da presidente.
A sessão de domingo durou mais de 10 horas. Foi aberta às 14h com o pronunciamento do relator do impeachment, o deputado Jovair Arantes (PTB), seguido pelos líderes de cada partido. Por volta das 18h iniciou a votação propriamente dita, que só encerrou depois das 23h. Nestas mais de cinco horas, deputados contrários e a favor do impeachment, manifestaram suas opiniões e seu voto. Poucos discutiram o motivo pelo qual o processo estava sendo aberto. A maioria se limitou a tecer justificativas e dedicatórias ao voto.
Os próximos passos
Aprovado pela Câmara, o impeachment seguiu para o Senado, que deve votar ainda na primeira quinzena de maio pela continuidade ou não do processo. Se a maioria dos senadores for a favor, a presidente será afastada do cargo por 180 dias, além de ter 20 dias para apresentar sua defesa. Neste período o vice Michel Temer assume a presidência. O Senado tem cerca de seis meses para averiguar todas as acusações que pesam contra a presidente. Ao final, uma nova votação dos senadores decide se a presidente deve ser afastada em definitivo ou se continua no cargo.
Votação é criticada
A votação de domingo, em especial os argumentos utilizados pelos deputados, gerou muitas críticas. Nas redes sociais a indignação com as falas dos políticos era manifestada simultaneamente. Repercutiu muito mal o fato dos votos serem dedicados às famílias, aos filhos e não ir ao encontro do anseio dos brasileiros como um todo.
Excesso de partidos dificulta a governabilidade
O prefeito de Arroio do Meio, Sidnei Eckert (PMDB), ressalta que a situação não se resume à votação em si, mas há todo um contexto que leva o país a viver este momento delicado. Observa que é preciso fazer um resgate histórico e cultural para compreender melhor o que se passa, salientando que desde o início da república apenas cinco presidentes conseguiram concluir o mandato. “O presidente da república é quase como treinador de futebol. Quando o time vai mal demite o técnico. Quando o país entra em crise, se demite o presidente. Isso não é desse momento de agora, é desde que temos a república, surgida num momento de crise, quando se terminou com a monarquia”, revela.
Outra situação que interfere diretamente é o excesso no número de partidos, o que Eckert considera um dos grandes males do país. “O partido da presidente reeleita fez apenas 68 deputados federais numa Câmara de 513. É difícil governar com uma base tão pequena. O ideal seria ter metade dos deputados ou mais, senão vai ter de compor e sempre vira em negociações. O interessante seria ter dois ou, no máximo, três partidos como nos Estados Unidos ou na Alemanha”, analisa.
Ao comparar o processo de impeachment de 1992 e o atual, o peemedebista vê três situações em comum: uma base governista fraca no Congresso, crises econômicas parecidas e o fato de serem anos eleitorais, nos quais os deputados querem ficar de bem com o povo. “Temos de avaliar este momento olhando pela história, cultura e tradições. Avaliar pelo que já aconteceu muitas vezes, de forma diferente, mas com similaridade”.
Eckert entende que a melhor saída para Temer, caso venha a assumir a presidência, seria iniciar um governo de transição, de união nacional e convocar eleições gerais para, no máximo, o início de 2017. “Só vejo tranquilidade se houver um novo processo eleitoral, com alguém novo assumindo o comando do país e o Congresso novo também, pois lá tem figuras lamentáveis”, salienta.
Questionado acerca da postura do PMDB, que deixou o Governo há pouco tempo, o prefeito afirma que o partido sempre foi dois e sempre esteve com um “pé dentro e outro fora do governo”, tanto com Fernando Henrique Cardoso, como com Lula e Dilma. Contudo, ressalta que o PT sempre soube disso e mesmo assim aceitou a composição política.
Ele acredita que a briga entre Eduardo Cunha e o PT, aliada ao fato de entidades nacionais apoiarem a mudança de governo, levou o PMDB que estava “fora” a ganhar forças e assim se sobrepor ao grupo governista. Sidnei atenta ainda para o fato de que 70% da população não está de acordo com o governo Dilma, assim como há uma grande rejeição da possibilidade de Michel Temer assumir a presidência. “Por ela ter sido escolhida de forma democrática, acho que o melhor caminho seria uma nova eleição, para recomeçar um governo legítimo. Mas tudo é muito difícil sem uma reforma política mais ampla, que possibilite alguém assumir um governo e ter uma base mais sólida. O governo federal ou estadual sempre vai continuar muito vulnerável porque depende de muitos partidos”, reforça.
Desgaste da classe política
O presidente do PT de Arroio do Meio, Euclides Scheid, lamenta a votação que intitula de golpe. Disse que a repercussão foi muito negativa, causando indignação e um grande desgaste da classe política. “A repercussão nos jornais internacionais é de que o que aconteceu na Câmara é coisa de 5ª categoria”, observa, ressaltando que esses fatos acabam manchando de vez a nova república.
Para Scheid ficou claro que os deputados votaram de acordo com as convicções deles – para família, filho, mãe, avô – e não pelo país. “Temos pela frente uma caminhada muito longa para se ter representantes mais comprometidos. Votaram em causa própria”, sentencia.
Ele prevê que, caso o impeachment se confirme e a presidente seja afastada, haverá mudanças que vão afetar diretamente os trabalhadores. Uma delas deve ser a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. Da mesma forma, acredita que as investigações da Lava Jato devem ser encerradas.
Em relação à coligação municipal com o PMDB, o petista diz que a participação do partido está consolidada e que a relação local entre os dois partidos é bem diferente e bem mais tranquila do que a de Brasília.
Objeto da votação foi a conjuntura
“Penso que o povo está cansado do próprio PT, nem tanto pelo que a presidente fez, por erros legais, mas pela conjuntura toda que aparece. A Lava Jato, o Petrolão… Quem acompanhou a votação viu que o objeto foi o todo. Poucos deputados fizeram referência às pedaladas. Foi a conjuntura da obra”, com esta afirmação o presidente do PDT de Arroio do Meio, Nelson Paulo Backes, avalia a votação de domingo.
O ex-prefeito acredita que o governo Dilma não tem condições de continuar, em função do grande desgaste. “Passamos por momentos conturbados em nível de país e quem vai assumir terá de assumir esse desgaste e a desconfiança. Precisa adotar medidas duras. Se não houver, não vai ter como ajeitar as coisas. Para mim, deveria ser convocada uma nova eleição para o povo eleger um novo presidente. O ideal seria deixar o povo definir o novo presidente”, salienta.
Sobre o futuro governo Temer, Backes diz que acha que será difícil, pois todos carregam o peso dos muitos processos. Atentou para o modo frio como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, comandou a votação no domingo. “Conduziu muito bem. Foi hábil e inteligente”.
Ao comentar a abstenção do deputado Pompeo de Mattos, afirmou que este não teve outra saída. “A intenção era votar pelo impeachment. É uma situação difícil. Ele é PDT e não vai trocar de partido, mesmo sabendo que vai sofrer muito com a decisão pela abstenção”, assegura. Na sua opinião, o partido agiu errado, não pode obrigar a votar em ou em outro. “O partido deveria dar a liberdade para o deputado votar como quiser. São só 19 deputados, se retirar mais 4 ou 5, como vai ficar? Não é justo expulsar quem votou a favor”, sentencia.
Algo tinha que ser feito
Gustavo Kasper, presidente do PP e ex-vereador de Arroio do Meio, diz que preferia que a situação do domingo não fosse necessária. Contudo, avalia que mesmo com critérios políticos se confundindo com critérios legais, a maioria dos parlamentares acertou, tendo a lei de responsabilidade fiscal como principal argumento, já que a lei orçamentária não foi cumprida, ultrapassando os limites legais em ano de eleição.
Kasper acredita que se Temer assumir haverá mudanças, com a tomada de atitudes fortes no curto prazo. “A diminuição de ministérios e de outros custeios políticos, hoje condenados pela opinião pública, poderão dar início à reforma. O Temer vai ter seis meses para mostrar sua dinâmica, para convencer. Se não convencer, a pressão popular vai ser forte para cima do Senado. É cedo para opinar se vai melhorar, o certo é que algo tinha que ser feito”, manifesta.
Sobre o fato do PP ter integrado o governo Dilma até pouco tempo, Gustavo lembra que a maioria dos líderes gaúchos do Partido Progressista sempre foram contra a participação, tanto que o PP gaúcho apoiou Aécio Neves nas ultimas eleições. “Somos minoria no contesto nacional do partido, sem ocupar cargos de expressão e, mesmo assim, foram os deputados gaúchos e a senadora Ana Amélia que deram o início ao movimento de saída do partido do governo”, observa.
Questionado acerca da repercussão do impeachment nas eleições municipais e na moralização da política, Kasper se mostra incrédulo. “Passado o mensalão, onde tantos políticos foram condenados, deveria gerar maior temor no meio político, o que não ocorreu. Só com maior fiscalização por parte das autoridades competentes, aliada às exigências de transparência e tecnologia. A reforma eleitoral que será colocada em prática na eleição deste ano vai contribuir, mas ainda precisa avançar mais para a eliminação da corrupção”.