A pressão estava grande no relacionamento e o Zé, um colega jornalista (não é do Vale do Taquari, embora conheça uns tantos metidos a galã), o primo de um amigo meu, aproveitou o bate-boca com a namorada para acabar com a vida em comum que já durava um ano. Uma eternidade para ele. Encostou a velha camioneta na porta de casa e começou a carregá-la com seus pertences. A ideia dele, vejam só o delírio, era voltar para a primeira mulher, mãe de seus dois filhos,
“Esta sim me entendia”, pensava enquanto colocava carinhosamente um pandeiro, parceiro fiel de noites de inconfidências no samba de raiz.
Só ele lhe consolava. A namorada, assustada com a intempestiva reação – uma coisa a moda Lupicínio Rodrigues – queria conversar. “Tu vais para onde, homem?”, perguntava. Ele respondia como num refrão do Arlindo Cruz: “para qualquer lugar onde possa fazer meu pagode, levar meus amigos e onde ninguém controle o quanto eu bebo”.
Quando ela viu que até a poltrona favorita do Zé – aquela de veludo já puído, mas no formato mais adequado ao corpo nada atlético de quem só exercita alterocopismo estava no carro, além de malas, revistas e o inseparável rádio valvulado, desesperou-se. Chorosa, pediu para terem uma última conversa. Um entendimento, quem sabe. Ele atendeu.
“Vamos dar uma volta” disse ela. Alguns vizinhos que assistiam a tudo, aplaudiram. Sabem onde foram parar? Em um motel! Na portaria, o Zé teve que explicar, meio sem jeito, que apesar de lotado de móveis, não era uma mudança. “Vou ficar duas horas apenas”, garantiu. Depois de uma negociação feita no capricho, o Zé Pandeiro retornou à casa da namorada, deixou-a com um beijo no portão e surpreendentemente, cumpriu o prometido: foi-se embora.
Minutos depois, retornava ao antigo lar. As crianças ao verem o velho carro alertaram a mãe e todos os moradores do edifício. Foi saudado com alegria. Os filhos o adoravam. A ex-patroa observava tudo, aturdida. O que estava acontecendo. Porém, bastou ficarem a sós, para saírem do baú velhas rixas mal resolvidas. Sem alternativas, lá estava, de novo, o Zé na rua.
Os vizinhos se divertiram. A camioneta, aos trancos, já torta de tanto peso, gemendo o desencanto do Zé, que voltava para a namorada. Só que para conseguir que esta lhe abrisse a garagem, teve de negociar. Ela, é claro, ganhou a parada: pagode só aos sábados.
E revelou seu novo fetiche para aventuras amorosas: exigiu retornar ao motel com tudo aquilo que amontoara. Só de pensar no sofá sendo paleteado pelo Zé, ela disse que sentia calafrios. “Ela tá louca!”, desabafou. Muito viva, isso sim. E vingativa, “Essa mulher vai acabar comigo e com a suspensão do carro”. Mas não teve jeito: Pra ter de volta a vida quase perfeita com a amada, foi pro sacrifício.

