De repente cruza por mim, em plena Rua da Praia, um ex-colega de faculdade. Felizes por identificar os guris de outrora, nos veteranos senhores de hoje, decidimos nos dar um intervalo, um vácuo, no tempo, para trocar lembranças e atualizar memórias na rapidez de um computador primitivo, regadas a um bom café expresso. Lembramos mestres, colegas de aula e, é claro, sobre o que fazíamos, atualmente, para sobreviver. Eu, jornalista, ele comerciante naquela base do “sobreviventes de anos difíceis”.
Mas como sempre acontece nas conversas, tudo ficou mais interessante quando começamos a falar dos amores. Ele jurava que eu lhe roubara uma namorada, linda, de olhos verdes. Tudo o que eu lembro desta mesma garota é que ela me trocara por um cara bem mais velho, que circulava em uma Rural Willys – avó das camionetes modernas. Casamentos? Ele tivera um, que resultou no único filho – um baita parceiro – me disse. Teve ainda uma tentativa de recomeço que fracassara e “um período confuso” sem amores, vivendo sozinho.
“Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus,” me disse, roubando uma citação do filósofo Aristóteles. Contou que, desiludido com o casamento desfeito e os problemas com uma “namorada neurótica demais”, havia decidido viver sozinho. E foi aí que se deu mal. “No começo era aquela sensação maravilhosa de liberdade”. Noitadas de carteado com os amigos, a rotina dos botecos nos finais de semana e a agenda sempre cheia de candidatas a namoro. Mas cansou da anarquia dos amigos. Estava se transformando um coroa ranzinza. Detalhista. Cheio de manias.
“Eu estava tão chato que meu filho, preocupado comigo, quis morar comigo. Nunca! Os amigos que ainda restavam, indicavam mulheres, também solitárias para sair. Ele tentava, mas todas estavam tão cheias de manias que só pioravam o quadro. Em busca de alguma atividade, decidiu voltar às aulas de inglês. Iria conviver com jovens, refrescar as ideias. Mas conheceu outra solteira, madura igual a ele. “Foi um começo difícil, pois estava habituado a ficar só. O máximo que suportava era dois ou três dias juntos. Mas aos poucos, reconheceu que estava virado num chato.
“Amigo, nem todos sabem lidar com a solidão. Eu virei um ser quase irracional, sem foco”, me garantiu. A partir desta nova relação, pode enfim, retomar a vida com mais equilíbrio. Ou seja, muitos precisam de companhia para manter o equilíbrio. O medo de dividir experiências e aceitar o jeito de cada um lhe fez reagir. “Amar, afinal das contas, te deixa mais humano”, afirma, sem medo de ser óbvio. Afinal, em uma tarde de um inverno que logo vai acabar, não se pode esperar muita genialidade. Principalmente entre dois ex-colegas saudosos dos dias passados entre o banco da faculdade e o corre-corre diário entre família, amigos e trabalho.
Cá entre nós, não tenho a menor saudade, nem tristeza ou desilusão, ou arrependimentos. O que perdi entra na contabilidade dos prejuízos, o que vou ganhar? Preciso muito pouco e o que conquistarei, com certeza, será bem mais verdadeiro do que me ofereceu o brilho passageiro da juventude. E viver sempre bem acompanhado. Solidão é doença.