Encantado – Ocorreu na última quarta-feira, no Auditório Itália no Centro Administrativo Municipal, uma Audiência Pública para discutir e debater o uso de agrotóxicos. O evento promovido pelo Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos contou com várias autoridades ligadas ao tema. Outras audiências foram realizadas em Caxias do Sul, Ijuí e na Capital Porto Alegre.
A doutora em Ciências Farmacêuticas pela USP e professora da Universidade Federal de Passo Fundo (UPF), Mara Regina Calliari Martin apontou através de estudos, os impactos dos agrotóxicos para a saúde humana e meio ambiente. Minutos antes concedeu entrevista ao O Alto Taquari.
AT – Quais são os impactos imediatos e a médio e longo prazo dos agrotóxicos no meio ambiente?
Mara Regina – Os agrotóxicos contaminam o ar, a água e o solo. Se um desses elementos for contaminado, os outros também estarão, pois está tudo interligado. A contaminação pode levar sérios danos ao meio ambiente, à saúde animal e a humana através de intoxicações levando à morte em correlação. Um exemplo disso é o DDT que teve a fabricação iniciada em 1945 e a proibição em 1990. Esse agrotóxico pode ficar no meio ambiente e no organismo por até 60 anos. Então nós ainda estamos sofrendo os efeitos maléficos desse agrotóxico que foi usado no Rio de Janeiro para erradicar a leishmaniose. Esse agrotóxico se armazena na nossa gordura e é cancerígeno.
AT – Os agricultores, por terem um contato direto com os agrotóxicos, são os que mais adoecem em função desta exposição? Existe relação entre o agrotóxico e o câncer?
Mara Regina – Com certeza existe. Por estarem mais expostos, tem mais probabilidade de ficarem doentes. Os agrotóxicos podem causar problemas hormonais e cânceres, entre outras doenças. Existe um estudo que aponta que daqui a 20 anos, uma em cada duas crianças nascerá com autismo. Porém não podemos esquecer que nós também somos indiretamente contaminados.
AT – Existe algum levantamento do volume de agrotóxico utilizado na agricultura brasileira e do número de intoxicações por ele causadas?
Mara Regina – Não existe nenhum levantamento preciso. Mas um estudo aponta que o volume de agrotóxicos usados na agricultura brasileira dobrou nos últimos 10 anos. Desde 2008 o Brasil é o primeiro no consumo. Enquanto no mundo cresceu 120%, no Brasil aumentou 190%. É algo espantoso. São 5,2 litros para cada habitante. A minha região, de Passo Fundo, está acima da média nacional. Lá são 7,2 litros por habitante.
AT – Por que se usa tanto agrotóxico no Brasil? Como podemos diminuir seu uso?
Mara Regina – Por que não há políticas públicas voltadas à agricultura familiar, e para os jovens rurais, na qual os alimentos são produzidos pela mão das pessoas e não por máquinas. Os ruralistas e as grandes indústrias de agrotóxicos detêm o poder. Precisamos de alternativas como o incentivo à produção orgânica e a agricultura familiar através de entidades como a Emater.
AT – Há lei que disciplina o uso de agrotóxicos. A senhora acredita que ela é eficiente e que há bons mecanismos de controle para o seu cumprimento?
Mara Regina – A legislação é boa, falta a fiscalização e identificação dos produtos. A legislação do Rio Grande do Sul é uma das mais completas do Brasil. Porém é preciso que ela seja respeitada.
AT – Como o consumidor pode evitar ou amenizar o consumo indireto e a exposição aos agrotóxicos?
Mara Regina – Ninguém está livre, pois quando comemos fora não sabemos o que estamos consumindo. Porém podemos amenizar isso consumindo produtos orgânicos. Cuidar do nosso fígado é importante, pois ele é responsável pela eliminação de boa parte dos agrotóxicos que ingerimos. Outro cuidado é cuidar de nossa saúde fazendo atividades físicas regularmente. O fumo, que contém muito agrotóxico, também deve ser evitado.
AT – A senhora tem um estudo em que apresenta a relação da exposição aos agrotóxicos da mãe durante a gravidez, com o nascimento de crianças com malformações congênitas. A partir destes dados, como à senhora vê o futuro das novas gerações, caso o uso de agrotóxicos continue em ascensão?
Mara Regina – Comecei esse estudo há 30 anos e de lá para cá nada mudou. O uso de agrotóxicos só aumentou. Um exemplo é o Glifosato que a Monsanto diz que o uso não traz malefícios à saúde humana. Porém há uma pesquisa publicada que aponta que esse agrotóxico é responsável pelo aparecimento de cânceres nas pessoas. Nesses 30 anos a situação só piorou. Se não tomarmos providências, a situação tende a piorar ainda mais. A sociedade organizada deve fazer alguma coisa através de entidades de classe a exemplo do que estamos fazendo hoje.