Nasci no bairro Bela Vista, há 56 anos, ao lado da então Kirst & Cia. Ltda., hoje Bebidas Fruki, da qual meu avô materno, Bruno Kirst, é fundador. Estudei na Escola Luterana São Paulo, onde a professora Dorothea Suhre me ensinou a ler e escrever, adotando a Cartilha do Guri, do Olavo e Élida. De lá para cá, quase tudo mudou. Depois frequentei o Colégio São Miguel, onde as irmãs tentaram domar minha adolescência com algum sucesso.
A ligação da Bela Vista à cidade é pavimentada, como muitos trechos do nosso interior. É distante o tempo em que eu ia a pé para a escola, levando na sacola um chinelo para usar dentro da sala de aula. Hoje há pessoas contratadas para fazer a higiene e limpeza das instalações, tarefa que nós, alunos, cumpríamos com prazer aos sábados. Inclusive usando cera no assoalho.
Meus avós, Bruno e Wilma Kirst, moravam na Rua da Igreja, defronte à casa de Pingo e Susi Essig, onde eu brincava com os filhos, Nêni e o Kiko. Passar as férias “na vila” era meu passatempo preferido, o que me valeu o apelido de “neto preferido do Vô Gordo”. Concordo, afinal, eu não tinha do que me queixar.
Tomara que estejamos a caminho do equilíbrio nas relações sociais. Tomara…
Uma das primeiras tarefas do meu avô era me levar ao barbeiro, hoje glamourosamente chamado de “cabeleireiro”. A gurizada conhecia a impaciência do meu avô e corria para ocupar as cadeiras do salão. Vendo aquele monte de piás, o “seu” Bruno Kirst dava uns pilas para que eu passasse à frente. Com o dinheiro na mãe, todos saíam correndo, faceiros.
O campeonato de futebol de salão da Praça Flores da Cunha era o ponto alto do verão arroio-meense. Ali a gente flertava com as gurias numa pré-estreia da paquera nas reuniões dançantes. Na praça os guris se exibiam na quadra e às vezes até brigavam quando a peleia esquentava.
As reuniões dançantes aconteciam aos sábados, na casa dos amigos – quase sempre na sala, ao menos as “mais comportadas” –, ou, as mais ousadas, nas garagens. Apesar dos hábitos mais rígidos da época, muitas gurias foram arrancadas por mães e pais furiosos por causa da escuridão e do clima digamos… “romântico” do ambiente.
Naqueles bons tempos a gente sentava na frente de casa, jogava conversa fora até altas horas. Havia raros assaltos ou funk tocando a pleno volume e o vandalismo era quase desconhecido.
Por décadas, nossa praça ostentava vistosas árvores, bancos, postes, lâmpadas e banheiros intocados. Mas tudo mudou. Algumas coisas para melhor, outras nem tanto. Tomara que estejamos a caminho do necessário equilíbrio que regula as relações sociais sadias e civilizadas. Tomara…