Duas panquecas bem servidas, dois refrigerantes. E a conta? R$ 110! O casal assustou-se com o valor, mas pagou, sem queixas. O valor das diárias segue o mesmo perfil – preços superiores a Cancun ou Acapulco – em hotéis que deixam muito a desejar. O veraneio no Rio Grande do Sul e Santa Catarina é marcado por estradas engarrafadas, estressantes e serviços ruins. Mas o que nos leva até lá, se tudo é mais caro, difícil e nem bonito – nesse caso, excluindo as lindas praias catarinenses?
Seria uma disposição autopunitiva pelo sofrimento ou simples facilidade de acesso? Na minha infância, lembro o rali de quase um dia entre Porto Alegre e qualquer balneário do Litoral Norte. Estradas sem asfalto que viraram em pó ou em barro, verdadeiros atoleiros. Tanto trabalho determinava que as pessoas alugassem casas para longas temporadas.
Sempre tinha um avô, um pai, um tio aposentado que permaneceria toda a temporada no litoral para recepcionar familiares e amigos. Muitos eram vizinhos em suas cidades de origem e alugavam casas na mesma rua para manter o convívio. Muitas vezes se conheciam lá mesmo e criavam amizades que só se viam no verão.
Esse envolvimento provocava festas, bailes, churrascadas, grupos de caminhada, longos torneios de carteado a varar madrugadas, pescarias de pouco peixe e muita conversa e beberagens históricas. Ninguém tinha tempo para se concentrar no mar de repuxos, água fria e mães d’água. Tudo era lindo!
Hoje é fácil comprar, todos os anos, um pacote turístico para as praias de mar azul. Caribe, ilhas da Grécia e mares do Nordeste onde permanecem sete dias no máximo e pagam em 12 longas parcelas. Ou pegar o carro na sexta-feira e tomar o rumo do litoral catarinense ou gaúcho. Longas filas, mas em estradas bem melhores.
É divertido, toda a praia é um portal para o infinito, liberta a alma de coisas negativas. Sol escaldante, luas que refletem diamantes nas ondas. Mas de alguma forma, não tem o clima caseiro e íntimo de um veraneio por longos dias em águas mais próximas.
A grande maioria que viveu nos anos 60, 70 e 80, guarda uma história de paixão à beira-mar, que lhes incendiou o coração por uma temporada, jurou ser eterno, mas não resistiu ao inverno. Na temporada seguinte, um novo amor apareceu. Lindo e dourado. E trocaram olhares e beijos apaixonados até o último dia. Os que preferem continuar por aqui, quem sabe, vivam da lembrança dessas histórias que rolaram nos cômoros de areia, nas lojinhas de artesanato, nas barracas dos inigualáveis crepes das tias.
Essa é a beleza que salva o litoral gaúcho. Tão mágico quanto a brisa do mar nordestino, é o nordestão, aquele vento sapecado de maresia que obrigava o guri a ceder a jaquetas à guria mais linda da rua. “Não estou com frio”, mentia com lábios roxos e pelos eriçados. Mas tudo aquecia quando ela retribuía com um sorriso agradecido, ou permitia a mão trêmula e gelada sobre os ombros, agora protegidos.
Voltava para a casa como um pescador em dia de sorte. Quem sabe, um dia o comércio e turismo do litoral gaúcho ajudem a mantermos esses momentos, perfeitos para todas as épocas. Que ofereçam conforto a preços justos, porque se o mar é feio, as memórias serão eternamente belas.