Uma amiga sugeriu que meus textos estão desconectados da realidade brasileira, “excelentes, mas descontextualizados” foi a palavra. Os tempos andam violentos para se pensar nas coisas do coração. Um par ideal, imagina! Abri o jornal e uma serpente venenosa de notícias ruins banharam em sangue e pouca vergonha, meus argumentos em defesa de uma filosofia pacífica de vida. Enfrentar uma realidade sem ética – desculpem a comparação – é como tentar prolongar o sabor de um chiclete após horas de mastigação.
E o que fazer? Não tenho vocação para repórter policial. Notícias do universo criminoso, embora dentro do contexto, se tornariam redundantes nas páginas renovadas do nosso Alto Taquari. Quem sabe, aproveito e encerro essa já longa temporada por aqui? Reservo as histórias do cotidiano amoroso, filosofices em geral, para meu blog?
Observo as manchetes dos jornais diários de Porto Alegre. Na capa, as novas sobre um delegado investigado por auxiliar uma facção criminosa. Um coronel da reserva vítima de latrocínio, mesmo sem esboçar qualquer reação. A reforma da previdência, que me interessa muito e, como sempre, atinge quem trabalha e, pouco, aqueles que escravizam com a vileza de salários baixos e a sonegação de direitos.
Eu podia escrever mais sobre estradas ruins, pedágios criminosos, como o que estão planejando para a BR 386. Cobrar sem concluir a duplicação é muita safadeza. E as intermináveis denúncias contra o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral que, do jeito que anda entrará para a história como o mais notório larápio de finanças públicas do país.
Quase na minha área, leio que o senador Romero Jucá desculpou-se por usar o termo “suruba” ao referir-se sobre a proposta de restringir o foro privilegiado. Quem sabe o povo imaginou severos juízes, a esconder voluptuosas surpresas por debaixo das togas. Loucuras na Lava-Jato. Mas todos sabemos qual a verdadeira imoralidade escondida na cabecinha marota do veterano político.
Fecho o jornal e a contracapa revela os animais abandonados de um zoológico, em Mossul, no Iraque. Retirados de seu habitat natural para o sofrimento imposto por humanos sem alma. Tanta maldade nos deixa na defensiva. Relação amorosa, constituir família, viver emoções singelas, mas intensas seriam algum tipo de egoísmo que nos daria vergonha, já que bem ali, na porta, bate o crime?
Permitam-me uma última filosofada. Analisando friamente, não seria toda essa tripa de infortúnios a verdadeira pauta descontextualizada? Ou vamos transformar a notória ausência de caráter em um muro de pragmatismo contra as mais íntimas questões de cada um de nós.
O certo é saber das más notícias e também, dos artigos onde percebemos a busca por momentos felizes. Todo mundo sonha com um amor, com uma atividade que realize e ainda possa ser compartilhada.
Tenho certeza que são esses pequenos extratos de humanidade, encrustados ao noticiário pesado, que aliviam e ajudam a nos remeter às soluções. Vou continuar assim, nesse meu estilo. A serpente do mal também continuará viva, mas lhe extrairei o veneno. Assim, conviveremos lado a lado. A realidade, afinal, se constrói a partir de sonhos. Que estes sejam felizes!