Um sujeito que recebe um aviso prévio do patrão, um aviso prévio de adeus da esposa, tudo no mesmo período, não tem muitos motivos para rir. No ambiente profissional, sabia que a crise reduzia as vendas e as chances de permanecer, mas o casamento? Uma relação sem filhos, com poucas crises e dívidas e, com algum carinho, pelo menos, na parte que cabia a ele, imaginava que seria forte capaz de superar a ferrugem do tempo. Mas a chegada dos 50 anos transformara a mulher. Ele percebia uma insatisfação constante. Queria viajar, queria cinema, morar no litoral, voltar a estudar e no fundo, não queria nada.
Achou que passaria logo. Agora estava ali, pagando as contas de passeios sem graça, de roupas que ela escolhera e ele pouco curtia. A sua parte fora um carro usado mais barato. Em comum acordo haviam negociado a caminhonete linda, tracionada. Era luxo. E foi neste carrinho que chegou ao Vale do Taquari, para avaliar uma proposta de trabalho. Encerrada a entrevista, saiu a rodar para conhecer melhor a região.
Tomou um café expresso em Lajeado e, de repente, estava em uma estrada de chão batido, para olhar a paisagem no Morro Gaúcho. Pensava nela. O trabalho era uma questão de tempo, mas resolver a derrota afetiva era o mais difícil. Quantas vezes pensamos que está tudo sob controle quando a coisa desanda. Mulheres! Queria ser um adivinho para saber quando a coisa está ruim, um expert para acertar em todos os desejos dela.
Olhou a linda vista do rio Taquari, nem passou pela cabeça uma tentativa de suicídio. Amava a vida e especialmente, comoveu-se com a singeleza das frases em uma placa no alto do morro. “Não tire nada além de fotos, não deixa nada além de pegadas, não leve nada além de lembranças, não mate nada além da saudade.” As pegadas de bom marido, de profissional dedicado, o haviam levado até lá.
Diante de um cenário de brisa, canto de pássaros e uma paz que o convencia a retornar ao cotidiano, com mais energia. Não rasgaria as fotos da relação passada, não eliminaria as lembranças dos risos, dos beijos e das festas que haviam dividido.
A saudade, quando viesse, seria uma ponte para outro amor, quem sabe, definitivo. E se não o fosse, saberia que não existe mágica, apenas gente que, a partir da desilusão, aprende a transformar a tristeza, em uma paisagem de sonhos. Um dia retornará ao Morro, quem sabe para fotografar um novo alguém, neste álbum bonito que podemos construir a partir de conquistas e, especialmente, das derrotas.