A mulher passou ao meu lado e ordenou severa: “Gordo, vem cá!” Surpreso, mirei nos olhos dela que, ao dar-se conta do mal-entendido, apontou o arbusto onde um cãozinho peludo fazia xixi. Gordo era o nome próprio de seu animal de estimação. “Nem reparei que o senhor era gordinho”, desculpou-se, aumentando o constrangimento.
Aceitei as desculpas, e fiquei ensaiando os desaforos que meu elevado teor de tolerância jamais permitiria. Mas que deu vontade, deu. Ela já cruzava a rua com o gordo de quatro patas – que até magro era – quando jurei iniciar uma dieta, pra já! Ser magro tem todas as vantagens. Primeiro não é proibido o mau-humor. Gordo tem a obrigação da simpatia e docilidade.
O maior exemplo disso é o Natal, onde o gordinho da família é sempre Papai Noel. Dê-lhe suor por baixo daquela ridícula roupa quente e barbas de algodão. E os apelidos que nos batizam? Porquinho é um clássico na linha veterinária, seguido de hipopótamos, elefantes e demais paquidermes. Baixinhos atarracados são comparados a “liquinhos”, aqueles pequenos botijões de gás.
Gracejos que virariam em grossa pancadaria, não fôssemos nós obrigados a agir como os mais bem “humorados” da espécie humana. Outra chatice são os “conselhos” de amigos e frases tipo “até que você é bonito, porque não faz um regime?” Arre! É triste! Um sujeito magro não se abalaria, como eu, com uma estranha gritando pelo “gordo”. Não é nada com ele, ora!
Assim, eu me rendi! Caminho todos os dias, contabilizo cada grama eliminada e mesmo assim, enfrento humilhações, como ser ultrapassado por vovós melhor condicionadas. Tento acompanhá-las e as pernas fraquejam. Desesperado, confiro o relógio. O tempo não passa… Pior, quem passa são as mesmas senhoras. Uma, duas vezes!
A recompensa após tanto sacrifício é a banca 40 do Mercado Público. Deliciosas saladas de frutas, bebidas e yogurtes light. Eba! Sanduíches naturais! Mas a turma sarada come – bem ao meu lado – cheeseburgers com bacon e ovo. Hotdogs de molhos vermelhos suspeitos e fritas, toneladas de batatas fritas! Se eles podem, por que não eu?
A ansiedade é a maior inimiga dos fofos. Aliás, só de lembrar do incidente que motivou este desabafo, me bateu fissura por algo doce. Amanhã compenso com uma caminhada extra. E se outra tia me confundir com o cãozinho de estimação. Eu mordo! Afinal, paciência tem limite. (Publicado anteriormente, em agosto de 2009)