Olhou bem severa para a mãe e reclamou: “isso é intolerância”. O estresse iniciara quando se recusou a comer os legumes servidos, picados e coloridos, mas de sabor, conforme a própria reclamante, “parecido com folha de papel”. E a mãe, desesperada, após todas as explicações sobre o valor deste tipo de alimento – negociou uma saída honrosa à sua autoridade – aceita imediatamente: cubinhos de cenoura, chuchu, batata, misturados a ervilhas e um bonito molho de tomates. Foram duas longas colheradas lentamente digeridas.
Nos dias seguintes, a discussão seria talvez na hora do banho, ou no tempo diante da tevê, dos jogos eletrônicos, da brincadeira com os amiguinhos no pátio do edifício, sempre bem mais difíceis de interromper do que os trabalhos encomendados pela professora na escola. Brincar é fundamental para a socialização da criança, para estimular a criatividade, mas para tudo tem hora. E lá estava a jovem mãe envolvida em estabelecer regras e limites. Na vez do pai, as regras eram mantidas, sem relaxamento e assim, ninguém seria desautorizado.
É um processo cansativo, mas quando olho para o outro lado, onde a tolerância é confundida com desleixo, percebo que todo sacrifício vale a pena na construção de um ser humano mais feliz e equilibrado. O exemplo bacana de cima, contrasta com o que eu e outros tantos clientes de um restaurante, no centro de Porto Alegre, ouvimos recentemente.
Quando a menina foi chamada pela mãe para escolher o que comer, iniciou-se um embate grotesco diante do buffet. Nem alface, nem tomate, abóbora, cenoura ou ervilha, excluía com fúria a criança. Quando o pai chegou para ajudar nas negociações e tentou levar alguns pedaços de alimento ao prato, um tapa forte da mão pequenina levou a colher e alimentos para todos os lados. “Vocês são idiotas? Não sabem que não como essa porcaria?”
Os gritos e xingamentos só aliviaram quando serviram o prato com o que ela queria. Batatas fritas, bife e arroz manchado com um pouco de feijão. Com os desejos plenamente realizados ela voltou a ser a criança querida que merecera o olhar afetuoso dos clientes das mesas ao redor. Mas o encanto acabara. Todos se concentraram em suas próprias vidas, levantavam com pressa, tomavam seus rumos.
A construção de um adulto é uma obra complicada. As crianças respeitam quem determinada regras e as mantém. Sem violência, mas com firmeza e bons exemplos. Mais adiante, os adolescentes se sentem valorizados e felizes quando são chamados para criar as regras de convivência. É uma jornada estressante, mas que compensa.
Desanimador é ver quando se perde o controle. E os rebentos escapam para uma vida onde não aprenderam a criar ou identificar as regras de convivência em harmonia. Nestes momentos, aqueles legumes que foram deixados de lado, por desleixo ou omissão dos pais, serão trocados por faltas gravíssimas que os colocarão distantes de uma vida equilibrada.
Num último e derradeiro momento, talvez alguns pais ainda lembrem quando foram chamados de “idiotas” e acharam ser coisa de criança com personalidade forte. Neste instante, perceberão que na idade adulta, algumas vezes precisaram digerir os “legumes” insossos do cotidiano para uma vida equilibrada, ou tentar pelo lado pior, de olho nos banquetes que não lhes pertence. Como tanto temos visto hoje e que, pelo jeito, seguirá em frente se a justiça não vingar.