Ela olhou em minha direção e disse: “não quero nem pensar!” E atravessou a rua acelerada, a conferir alguma coisa em seu telefone móvel – talvez algo que lhe desviasse pensamentos – sempre com o olhar sério de quem perdeu alguma coisa. Ri da situação e me dei conta de que, muitas vezes, também não quero pensar muito. Na minha idade as memórias são tantas que tudo o que é novo e sem muita importância passa a ser arquivo provisório e é logo apagado. Nomes de pessoas, ruas, eventos ou filmes e séries. Eu esqueço o nome do ator, do diretor e às vezes de cenas bacanas. Nem quero pensar se isso denota algum problema mais grave.
O tom da fala, o olhar vago, geralmente é típico de quem tem uma bronca prestes a explodir, ou já detonada e agora, só se pensa nas consequências. Mas também pode ser provocado por algo positivo, a realização de um sonho desses tão frequentes tipo, “Não quero nem pensar no que farei com o dinheiro se ganhar na mega”, por exemplo.
Dias desses, no início de uma noite chuvosa, um amigo aguardava pelo ônibus. O vento já provocava arrepios quando finalmente chegou o tão aguardado transporte. Correu até a porta e o motorista, pescoço esticado, o examinou de alto a baixo antes de simplesmente seguir viagem. A opção foi socorrer-se de um táxi – coisa rara em dias de chuva – e ainda por cima, ouvir do motorista: “Também não pretendia parar. Naquela hora, no escuro e o senhor com essa cara fechada de frio. Não quero nem pensar no que faria se fosse assaltado, já perdi muito com isso”. E relatou dezenas de histórias de violência urbana.
Inconformado foi ao escritório da empresa de ônibus. Ameaçou denunciar. Pediram desculpas – muitos motoristas já o conhecem, pois está sempre no mesmo ponto -, mas argumentaram que, igualmente, cansaram de tantos assaltos e agora, se o local está escuro e o passageiro não tem lá um ar muito confiável, eles não param. Já se foi o tempo que cara feia era apenas sinal de fome. Ou usar capuz é só para proteger a cabeça do frio. Por trás de tudo, de todo gesto, pode haver uma segunda, ou terceira intenção.
“Não sou nenhum deus grego, mas não assusto ninguém. Mas não quero nem pensar na possibilidade de viver esse preconceito em função da roupa que eu visto”, reclamou. Lembrei da moça que talvez estivesse esquecido algum compromisso, ou cometido algum deslize leve, mas que poderia provocar algum dano irreversível. De minha parte, não quero nem pensar na possibilidade de me enclausurar nesses medos do cotidiano, nessas ansiedades que nos bloqueiam a sensatez. Eu hein? Nem pensar.

