Na semana passada, encontrei um antigo colega de escola. Celebramos o reencontro com um café, no Mercado Público de Porto Alegre. Lembramos professores, outros colegas de aula. Eu, jornalista, ele comerciante naquela base dos “sobreviventes de anos difíceis”. A conversa se tornou mais interessante quando começamos a falar dos amores passados e atuais. Aliás, ele falou, eu escutei.
Começou jurando que eu lhe roubara uma namorada. Mas tudo o que eu lembrava é que essa mesma guria me trocara por um “playboy” que circulava de Rural Willys – a avó das pick-ups de hoje. Casamentos? Ele tivera um, que resultou no único filho – um baita parceiro – me disse. Experimentou uma nova relação que também sucumbiu e “um período confuso” sem amores, vivendo sozinho.
“Aristóteles já dizia: quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus,” citou, ao confessar-se desiludido com o casamento desfeito e os problemas com uma namorada, segundo ele, neurótica ao extremo. A partir, decidira contrariar o filósofo grego e viver sozinho. Mas entre um gole aflito de café expresso, cochichou que se dera muito mal.
“No começo era aquela sensação maravilhosa de liberdade”, lembra, ao citar as noitadas de carteado com os amigos, a rotina dos botecos nos finais de semana e a agenda sempre cheia de candidatas a namoro. Depois, cansei. Das festas, dos bares e da anarquia que meus amigos faziam lá em casa”.
No princípio não percebeu, mas estava se transformando um coroa ranzinza. Detalhista. Cheio de manias. Preocupou familiares. Ou melhor, se tornou insuportável para amigos e parentes. Até o filho quis ir morar com ele. “Indicavam outras mulheres, a maioria delas solitárias e tão cheias de manias quanto eu, ou seja, só pioravam meu drama”.
Quando decidiu matricular-se em um curso de idiomas, conheceu a felizarda que o tirou da solidão. Deveria ser boa em línguas, pensei. “Ela me livrou da rotina de ermitão. Foi difícil, pois estava habituado a ficar só. O máximo que suportava eram dois, ou três dias juntos. Mas aos poucos, amansou o rabugento em que se transformara.
Simplificando, ele concluiu que nem todos sabem lidar com a solidão, mesmo voluntária. Ou deprimem-se, ou acabam como assim, meio tipo “fera selvagem” de Aristóteles. “Eu era um predador que se alimenta e busca o sexo apenas por instinto, sem amor”. Achei forte a frase, especialmente para um veterano barrigudo. Mas segui ouvindo.
A fera domada me garantiu que a nova relação lhe ajudara a recuperar o equilíbrio, reagir contra a mesquinharia, a insegurança de dividir experiências e aceitar o jeito de cada um, buscando incentivar virtudes que reduzissem os defeitos que todos carregam. “Amar, afinal das contas, te deixa mais humano”, percebeu, sem medo de ser óbvio.
Nos despedimos com promessas de outros cafés pela cidade. Quem sabe um jantar para apresentar as esposas. “Desta vez, tu não vai me roubar a namorada”, brincou. Mas se lhe tomei uma paixão de adolescente, foi porque mereceu, assim como mereci ouvir pacientemente o resumo de uma vida em meia hora. E para não perder a viagem, o transformei em um artigo. Quem sabe algum ranzinza não se identifique e vá em busca de parceria? Mas cá entre nós, um chato convicto não se cura nem com amor.

