É costumeiro meus filhos perguntarem:
– Pai, como é que vocês viviam ser internet, hein?”
Nestes momentos explico que fazíamos as pesquisas para trabalhos de aula na biblioteca do Colégio São Miguel. Ali, geralmente havia – no máximo – dois ou três exemplares do livro indicado pela professora. A correria em busca da valiosa obra era intensa. Envolvia até mesmo um embate físico que incluía empurrões, puxões de cabelo e encontrões.
Seria desigual comparar hábitos em relação a épocas diferentes, mas muitas vezes me questiono como é possível existir tanto ódio em uma época onde as comunicações são fáceis, intensas, simultâneas e online nas 24 horas do dia.
Milhões de pessoas passam bilhões de horas à frente do computador ou digitando freneticamente o smartphone para fuxicar a vida alheia, produzir fofocas ou semear o ódio, a discórdia e a cizânia. Se uma fração desse tempo fosse gasta para uma troca dedicada de ideias, esgrima de argumentos civilizados ou a simples troca de opiniões equilibradas e fundamentadas talvez fôssemos mais tolerantes.
A livre manifestação é resultado de uma luta de muitos anos e que custou muitas vidas
Penso também na oportunidade histórica que o mundo moderno tem para aperfeiçoar as relações, forjar novas ideias, buscar cura para males comuns. Infelizmente quase toda esta energia é desperdiçada na proliferação de conteúdo eivados de cólera, irritação e gana de esganar quem está do outro lado da tela.
O mais inocente comentário postado nas ditas redes sociais em minutos se transforma na controvérsia do dia, atravessando o planeta para suscitar um incrível arsenal de ofensas jamais imaginado. Existe uma dificuldade oceânica de aceitar opiniões contrárias, conviver com críticas e encarar as frustrações como um processo de amadurecimento.
Este fenômeno de agressividade sem precedentes nas redes sociais se assemelha ao que acontece no trânsito. Em ruas, avenidas e rodovias, pessoas pacatas se transformam em potenciais assassinos ao volante, numa transformação de personalidade que assusta e faz pensar. Já ouvi que ali, no comando do veículo, o ser humano demonstra o que realmente é, sem máscaras e subterfúgios.
A conquista da liberdade de manifestação é resultado de uma luta de muitos anos e que custou muitas vidas. O obscurantismo da ditadura que trouxe a lâmina afiada da censura que amordaçou a imprensa e as artes são lembranças que jamais deverão ser desenterradas. O fantasma dos anos chumbo, porém, seguidamente ressurge sob o codinome de reformas, depuração e “novos tempos de decência”.
Não é hora de desperdiçar a oportunidade de promover uma comunicação produtiva e saudável. Do contrário, as viúvas da tirania terão força e argumento.