A menos de sete meses das eleições que definem deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente, o cenário político-eleitoral ainda não está claro para o eleitor. Diante da grave crise política, ética e econômica que o país vive, ainda não há um quadro definido de candidatos, especialmente no que tange ao governo federal. Os partidos, em grande parte fragilizados pelos escândalos de corrupção, parecem tentar ganhar tempo e assim costurar alianças a fim de agradar ao eleitor e obter êxito nas urnas.
Enquanto os candidatos não se definem oficialmente, já que o prazo para as convenções vai de 20 de julho e 5 de agosto, os pré-candidatos buscam apoio para suas candidaturas nas bases partidárias, junto aos filiados. Embora alguns partidos detenham um grande número de filiados, a participação nem sempre corresponde.
No Vale do Taquari são 36 municípios, num total de 272.741 eleitores, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Destes mais de 270 mil eleitores, 55.609 são filiados a uma sigla partidária, o que corresponde a 20,38%. Nos 36 municípios, há filiados em 30 diferentes partidos. Alguns têm mais expressão, como é o caso do PMDB, PP e PDT, enquanto outros detém um número muito pequeno de filiados, conforme mostra o quadro ao lado.
Alguns destes partidos sequer contam com diretório vigente no município onde possuem filiados. É o caso, por exemplo, do PV e do PSDB, que em Arroio do Meio somam 19 e 73 filiados, respectivamente. Possivelmente há eleitores que não lembram que um dia se filiaram e outros que acreditam que sem um diretório vigente em âmbito municipal, a filiação se anula.
Contudo, conforme explica o chefe do Cartório Eleitoral da 104ª Zona Eleitoral, Ivan Quoos, a desfiliação, no caso da sigla que não está com o diretório municipal ativo, só se dá quando o eleitor comunica o órgão superior do partido. Caso contrário permanece filiado. Também é possível filiar-se a uma sigla sem a necessidade de que esta tenha órgão partidário no domicílio eleitoral.
Números revelam fragmentação
Para o sociólogo e mestre em Desenvolvimento Regional, Renato Zanella Filho, o número de partidos com filiados no Vale do Taquari demonstra uma questão mais profunda. Para entender, diz que é preciso contextualizar o cenário, e explica que na cultura ocidental se tem a visão de Estado – que no Brasil é democrático de direito e tem Constituição – e é algo permanente, e a visão de governo, sobre a qual cada eleitor, cada partido, pode ter seu ponto de vista. É neste contexto que entram os partidos políticos. “Se estão estabelecidos é porque têm visão diferente de governo, ideologias e governo diferentes”.
Para ele, a maneira como se construiu a questão política-partidária trouxe uma fragmentação muito grande. “Não pode ter na sociedade nem nas comunidades, visões tão diferentes nem de governo, nem de estado”, observa.
Ao fazer uma análise da questão política-partidária regional, destaca que é preciso levar em consideração alguns aspectos cruciais para entender o que acontece. O Vale do Taquari é marcado por três características culturais: a descendência italiana, a descendência alemã e a descendência portuguesa. Tais características foram levadas em conta pelo Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), liderado pela Univates, que elaborou um planejamento estratégico para se chegar a uma visão de desenvolvimento da região, que tem como principal vocação a agricultura familiar e a produção de alimentos. Esse paradigma prevê o crescimento econômico sempre pensando em buscar, além do crescimento, o desenvolvimento de forma mais harmônica possível e com as cidades preservando valores como o trabalho, o crédito, a organização social, a educação, que é um valor muito importante e, atualmente, o bem-estar físico e social, através da saúde. “Grande parte dos partidos não se apropriou dessa construção, o que leva a crer que alguns são movidos por interesses não locais ou regionais, mas pessoais e individuais. Há vários, não só partidos como entidades, que não estão mais representando de maneira apropriada aos anseios das comunidades locais e regionais. Se criam partidos que na Região têm menos de 100 filiados. Qual a representatividade disso?”, questiona.
No seu entendimento, muitas entidades e partidos, deixaram de ouvir as demandas reais e hoje há uma carência muito forte de líderes que tenham conhecimento do que é Estado de direito e o que é governo. “Falta um projeto de Estado – o que eu quero para meu país, estado e município? Temos projetos, planos estratégicos para ganhar as eleições, mas nos falta consolidar, em âmbito local, estadual e nacional, projetos claros, de visão de estado e projetos de governo. Há exceções, claro. Posso dizer, sem sombra de dúvida, que o plano estratégico do Codevat nos baliza como região e nos dá uma visão integral. Mas, com sentimento, digo que cerca de 90% dos partidos desconhecem o projeto. Não participou, não se inteirou e não agregou o diagnóstico e a estratégia regional”.
Zanella aponta que a presença de 30 partidos no Vale, também é, em parte, reflexo da pós-modernidade – onde se acabou perdendo as referências e cada um sai buscando sua verdade – e do momento atual, no qual as mudanças estão acontecendo. “E é extremamente difícil, se não impossível, o eleitor tomar conhecimento da ideologia e o programa partidário de todos os partidos. Para tomar a decisão ele deveria conhecer, mas é impossível. Então acabo, como eleitor, me aproximando para votar naquele que conheço, tornando o voto quase que uma questão pessoal. Hoje cerca de 98% da população afirma votar na pessoa e não no partido, o que reforça um grande antagonismo e contradição. O partido se tornou o contrário do que foi imaginado para fazer”, salienta, observando que faltam projetos de Estado e de governo.
Em âmbito de Vale do Taquari, reforça que, pelo mínimo que seja, há um projeto para a região, embora 90% dos políticos o desconheçam. “Por isso a população não dá crédito para o político, porque este não conhece a realidade local”.
Zanella estima que apenas 10% dos políticos conhecem o programa do seu partido. “Se perguntar se é liberal ou conservador, qual é a linha do partido, poucos sabem”, afirma, dizendo que as filiações normalmente se dão por relações. Exemplifica com o caso de Forquetinha, onde mais de 40% dos eleitores constam como filiados a partidos políticos, e diz que é muito provável que a maioria nem lembre da filiação. “Podem estar fazendo campanha para um partido e serem filiados a outro. Este alto índice de filiação se deve a grande polarização e acirramento da política local do município, onde a disputa se tornou bastante competitiva tendo na mesma família dois irmãos, cada um filiado a um partido”.
Quanto ao número de filiados no Vale – 20,38% dos eleitores – o sociólogo afirma que é expressivo e que se todos participassem ativamente da política, como se pressupõe, seria ótimo, pois a região teria um bom número de pessoas discutindo ativamente questões sociais e políticas. Mas, o que ocorre, na prática, não chega nem perto disso. O envolvimento real é muito inferior.
Ele elenca ainda, as emancipações como um dos fatores que ocasionaram essa falta de líderes regionais. “Com as emancipações perdeu-se a visão regional, já que os líderes passaram a concentrar sua visão e preocupações para o âmbito local. Como se fosse uma família, onde cada filho, ao formar sua família se foca nesta e deixa para trás a família de origem”. Em uma analogia, Zanella diz que a região precisa de um “grande avô antigo”, que pense na família como um todo e inclua todos os seus membros. “Hoje não existe visão regional e a oportunidade passa por tomar conhecimento do projeto elaborado pelo Codevat. É preciso ter conhecimento da região, senão podemos cair na tentação do que já acontece: candidaturas a deputado servirem de alavancas para candidaturas a prefeito. Ou seja, os partidos, na ânsia de angariar votos para as legendas, as vezes colocam vários candidatos que deixam de ter viabilidade, mas se sujeitam porque ‘fazem o nome’ para depois se candidatar a prefeito ou vereador”.
Numa ideia simplista, o Vale do Taquari poderia eleger, pelo número de votos, em torno de 5 a 7 deputados estaduais. “Isso se nós pensássemos como região e tivéssemos estratégia. Permitiria, inclusive, boa diversidade partidária se nos organizássemos, como já temos exemplos de vereadores comunitários. Por isso afirmo que os partidos, de um modo geral, com exceções claro, não estão comprometidos com a região e com o seu povo, suas comunidades. Falta visão estratégica, assim como preparo dos partidos, que se criam de vontades pessoais, e dos próprios candidatos. Várias candidaturas de um mesmo partido no Vale do Taquari acaba sendo um desserviço para a política e a representatividade regional. Afinal, é mais antigo que andar a pé aquela frase que diz: dividir os outros para governá-los”.
Para Zanella é imprescindível ter a consciência de que política governa a nossa vida. “Precisamos de representantes, autênticos conhecedores da nossa realidade regional/estadual. Candidato que é candidato no Vale tem que ter, em primeiro lugar, conhecimento da nossa vocação enquanto região, depois viabilidade política eleitoral e o mínimo, se tem por objetivo representar a região, precisa ter apoio de entidades representativas”.