Semana passada fiz um exercício de futurologia aqui, em relação ao clima. Redigi as mal traçadas linhas na terça-feira projetando o que deveria ocorrer três dias depois. Por sorte, tudo se confirmou: a entrada de um frentão gelado calou os “corneteiros” de plantão, acostumados a repetir o surrado jargão:
– Não se faz mais inverno como antigamente…
A súbita frente gelada que aportou em solo gaúcho antes mesmo da chegada oficial inverno – que se iniciou ontem às 7h07min -, castigou de maneira mais intensa a idosos e crianças.
Vários colegas de trabalho dispararam WhatsApp logo cedo da manhã dando conta das mais diversas moléstias que castigam a gurizada. O adendo envolvia expressões como “estou com meu pitoco no pronto atendimento”, “chegarei mais tarde”, “a nenê tá com febre, só vou de tarde”.
Comentei com uma colega que esta é uma das poucas situações de que não sinto saudades. Com filhos já adultos, as preocupações são outras. Do tipo “vai dormir em casa hoje?”, “onde andas?”, “as aulas vão até quando” e por aí vai. Diz o velho ditado que “filhos pequenos, problemas pequenos; filhos grandes, grandes problemas”, com o qual concordo em parte.
Era a típica história gelada com final feliz e bem quentinho
Esta manhã fui a um pronto atendimento para tratar do rompimento do tendão de um dedo da mão. O saguão tinha apenas duas pessoas, o que chamou minha atenção.
– É que hoje o frio diminui, mas o movimento desde a segunda-feira foi uma loucura! – explicou a recepcionista. Era compreensível. Estávamos na quarta-feira (passada) e o clima era ameno em relação aos dias anteriores.
Nós, gaúchos – nascidos ou radicados na Província de São Pedro –somos sobreviventes. Com maior ou menor intensidade cada região tem suas características, mas o frio e calor intensos têm sido marca registrada em quase todas as cidades. Ao contrário de anos anteriores, o frio parece ter voltado aos velhos tempos.
Esta semana, a minha caminhada de 10 minutos – que liga o ponto de desembarque da lotação até o meu local de trabalho – lembrou as gélidas caminhadas da Bela Vista até a Escola Luterana São Paulo. A estrada de chão batido deixava uma faixa de vegetação no meio, ladeada pelo trecho de terra onde passam os pneus dos veículos.
Lembro com nitidez desta faixa central da estrada que ficava embranquecida pela geada. Por diversão, pisoteávamos o gelo que estralava, tamanho frio que fazia. Narizes vermelhos, mão enrijecidas e pés adormecidos, chegávamos para sermos aquecidos pelo carinho inesgotável da dona Dorothéa Suhre.
Era a típica história gelada com final quentinho. E de felicidade para todos que tiveram o privilégio de tê-la como mãezona, orientadora e ombro amigo sempre disposto para consolar e apontar o caminho certo.