Apesar do consumismo, o Natal continua uma festa mágica para crianças e muitos adultos. É momento de encontro, confraternizações e de perdoar, esquecer, zerar mágoas acumuladas.
Ao longo da infância dos meus filhos encarnei a figura do Papai Noel. Confesso que torcia o nariz diante da necessidade de envergar a roupa do bom velhinho, além das botas e do gorro. Afinal, o calor típico de final do ano desanimava.
Com a proximidade da data, porém, aumentava a ansiedade. Ao contrário do que podem imaginar os desavisados, bancar o Papai Noel não é fácil. Crianças são muito observadoras. Têm sagacidade surpreendente. Encontram vestígios minúsculos que podem desmascarar o impostor que está atrás das roupas vermelhas.
No dia da encenação é preciso concentração. Fazia a barba no capricho para evitar que a barba irritasse a pele e, pior, deixasse fiapos depois da entrega dos presentes. Também evitava o uso de perfume e até desodorante, produtos que uso intensamente e que podiam “me entregar” aos filhos.
Modular a voz do Papai Noel era o maior desafio da noite de Natal
Também usava óculos de meu falecido pai, com um grau muito diferente dos meus, o que me deixava desorientado. Por isso, era guiado pelo concunhado e amigão, Mário Ferreira. A subida das escadas obedecia um ritual consagrado, ao tocar um pequeno sino do térreo até o local da festa. O ruído da sineta desencadeava uma colossal gritaria da gurizada ansiosa.
Chegando ao apartamento da minha cunhada, Vera Lúcia, a sala estava na penumbra para dificultar minha identificação. Presentes previamente colocados no saco do Papai Noel eram distribuídos. No meu colo, a criança menor da casa aguardava ansiosa. Modular a voz era o maior desafio!
Findada a entrega dos mimos, partia com o coração transbordando de felicidade. Ver os olhinhos da piazada brilhando não tem preço. É uma experiência inesquecível. Jamais fui reconhecido, mas num certo Natal minha filha, Laura, olhou fixamente para o bom velhinho e comentou:
– Mãe! O Papai Noel tem os olhos azuis, igualzinho ao meu pai!
Antes que ela descobrisse outras evidências, minha mulher a pegou e levou para longe. Trabalho concluído, era hora de voltar ao papel de pai, usando roupas “civis” e perfume borrifado para confundir olfatos mais apurados.
Ao retornar ao local da festa, sem fantasia, meu filho, Henrique, sempre perguntava:
– E aí, pai, cuidou bem das renas do Papai Noel?