Não sou um cinéfilo, um cara que acorre ao cinema para conferir os lançamentos ou que perde o sono para assistir a entrega do Oscar. Tenho péssima memória para nomes de atores, atrizes e personagem e frequento muito pouco as salas escuras de projeção. Mas, devido à idade – sempre ela! – noto que as refilmagens têm sido estratégia recorrente dos grandes estúdios, tática caça-níquel. Falta coragem ou recursos. Diferente de outrora quando proliferavam lançamentos de vanguarda.
Neste viés, li no feriadão que em 28 de março a Disney lança o “remake” do clássico Dumbo, originalmente lançado – pasmem! – em 1941. O enredo mostra o nascimento de um elefante, cujo tamanho descomunal de suas orelhas é motivo de chacota dos amigos.
Ignorado pelos amigos, o elefantinho descobriu que o órgão de audição com tamanho exagerado permitia que voasse. O personagem sempre me foi simpático, quando a lógica mostra que deveria ser o contrário. Nos primeiros dias de aula da Escola Luterana São Paulo ganhei o apelido de Dumbo, devido às minhas orelhas de abano. O detalhe anatômico era resultado da natureza e dos puxões que meu pai impingia a cada travessura.
Como todos os amigos ganharam apelidos, levei numa boa. Aprendi que mostrar irritação com a alcunha só agravava o problema. Em encontros com velhos parceiros noto que os resistentes carregam até hoje o cognome odiado até hoje. Hoje, as gozações que sofri, atendem pelo nome de bullying.
Levava pão com schmia trocado por pão d’água ou bolacha Maria durante o recreio
O dicionário classifica como “termo inglês (bully = valentão) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa”.
Não vou comparar épocas, dizendo que sobrevivi sem sequelas (aparentes) do bullying de anos a fio nos finados primário e segundo grau. Hoje, porém, é preciso atentar que as redes sociais são implacáveis, perseguem sem piedade, trazendo trauma, dor e consequências emocionais irreversíveis em todo lugar. Os jovens são exilados pelos amigos que não medem as consequências.
Talvez vá rever Dumbo. É uma oportunidade para rever não apenas um filme, mas recordar um período que me exigiu a tal “resiliência”. Era um piá magrelo, residente na colônia que percorria todos os dias uma estrada de terra (com poeira ou barro, dependendo da época do ano) para ir à escola. Um orelhudo que levava pão com schmia trocado com os colegas por pão d’água ou bolacha Maria no recreio.
Demorei para ser aceito “pelos guris da vila”, mas me adaptei. Tenho consciência de algumas injustiças que sofri na vida, mas todos passam por isso. Resta conviver com as minhas orelhas que, reza a lenda, deverão adquirir proporções ainda maiores com o avanço da velhice. Azar, afinal, até lá as gurias já não ligarão para elas. E nem para mim!