Quando as férias chegam ao seu crepúsculo, como agora, lembro da figura do velho Giba, meu pai, precocemente falecido aos 52 anos. Aprendi inúmeras coisas com ele, com aquele jeitão germânico de poucas manifestações de afeto, mas presença segura sempre que a situação complicava.
Apesar do aspecto turrão tinha uma veia humorística ativa. Numa das últimas viagens à praia, quando só eu e ele viajamos, um episódio permanece vívido na minha memória. Numa sexta-feira à noite, em direção a Tramandaí, trafegando pela BR-386 ele parou no acostamento e disse:
– Pega papel e caneta no porta-luvas, anota o quilômetro aqui onde paramos e lembra da paisagem.
Não entendi nada, mas obedeci, como sempre. No domingo, ao retornar para Arroio do Meio, logo na entrada da rodovia ele lembrou para avisá-lo quando chegássemos perto do local indicado na ida. Alertado por mim, estacionou no acostamento, levantou o capô do Corcel II e pulou a cerca de arame farpado em um só pulo. Cinco minutos depois retornou com três melancias embaixo do braço, jogadas no banco traseiro, e saiu cantando pneus.
Até chegar em casa, o velho Giba ria sozinho, feito um piá travesso. Não havia motivos para realizar aquele furto. Tínhamos acesso a melancias muito baratas, graças à generosidade de nossos antigos vizinhos do bairro Bela Vista.
São reminiscências de afeto nesta véspera de outono e inverno que chegam de mansinho
Ao chegar em casa, ele sequer tirou a mala do porta-malas. Correu até a cozinha e, de facão em punho, acomodou as melancias sobre a mesa. O olhar era de guri travesso.
Aberta a primeira fruta, a expectativa resultou frustrada porque estava completamente verde. As outras duas também se mostraram impróprias para o consumo. Longe de manifestar raiva ou indignação, meu pai refestelou-se na cadeira preguiçosa. Entre uma baforada e outra de Hollywood, riu sozinho:
– Pena que não deu para comer! Mas valeu a pena pela sacanagem e pelo o exercício de pular a cerca duas vezes… e olha: sem rasgas as calças ou a camisa. Foi um show! – exultou
O episódio mostra como era a outra face do rígido “seu” Gilberto Delmar Jasper, contabilista de formação, filho do carpinteiro Albino e da dona de casa Elsa Jasper. Foi casado com Gerti Jasper, com quem teve três filhos. Foi sócio da Bebidas Fruki, vereador eleito em 1968 pelo MDB e apaixonado pelas coisas da terra.
Idealizou aposentar-se para tocar a granja de suínos que mantinha com o amigo, agrônomo e ex-prefeito Paulo Steiner. Pretendia criar aves e plantar ainda mais vegetais, de todo tipo, hábito que aprendi a cada celebração do Dia da Árvore quando ele abria covas e despejava sementes.
Ficou o exemplo, o orgulho e as boas lembranças como inspiração para educar meus filhos, fazer amigos e encarar a vida. São reminiscências de afeto neste final de verão que repõe a rotina do outono e inverno que se aproximam.