Durante muitos tempo sofri de amigdalite. Foram anos de febre alta, injeções e temporadas de cama, longe dos campinhos de futebol da Bela Vista onde disputávamos espaço com os bovinos. Talvez esse detalhe da minha biografia tenha interrompido uma promissora carreira futebolística. Mas… fazer o quê, não é mesmo?
Nesta época de piá, o velho Giba era implacável com o meu desempenho na Escola Luterana São Paulo. Mais do que com as notas, ele mantinha um controle rigoroso com minhas faltas, aliás, este era o primeiro quesito observado no final do mês.
A dispensa era antecedida de procedimentos quase científicos. Começava com a medição da febre, delegada à dona Gerti, assim que o dia raiava. Somente crises a partir de 38,5 graus justificavam autorização para “ficar de cama”. Quando isso acontecia meu pai anotava o dia da “folga”. Assim que o boletim era emitido, a primeira providência era cotejar o número de faltas anotadas no caderno de meu pai, com o dado que constava na avaliação.
Admito que era uma demasia, mas havia uma gurizada que inventava todo tipo de argumento para “gazear” as aulas. Meu pai, que conhecia todos os meus amigos e boa parte dos colegas de aula, sabia da influência das relações na formação da minha personalidade. Não lamento, apesar de alguns excessos.
Deitar de bruços, calças arriadas, para receber
a espetada é uma experiência inesquecível
Os dias que passei acamado eram divididos entre remédios caseiros, suadores que minha mãe providenciava (com pilhas de cobertas “made em casa”) e doses maciças de benzetacil, nome que desperta pavor para a turma da minha geração. Tratava-se de uma injeção aplicada no músculo, extremamente dolorida, graças a um líquido amarelo que provocava transpiração intensa e malcheirosa. A nádega ficava dolorida por muitos dias.
Minha avó, Wilma Kirst, era responsável pela aplicação, que obedecia a um ritual de tortura. Bastava ouvir a voz dela para ser tomado de uma intensa vontade de fugir. Depois das saudações ela ia à cozinha, abria uma bolsa e tirava uma pequena caixa metálica que acomodava uma ampola, em cuja extremidade brilhava uma agulha. Em seguida fervia a embalagem de inox numa boca do fogão, para fazer a esterilização.
Deitar de bruços, calças arriadas, para receber a espetada é uma experiência inesquecível.
– Fica quietinho. Quando mais tenso, mais dolorido vai ser! – avisava minha avó.
Lembro, particularmente, de um inverno em que, durante 20 dias alternava: era um dia tomando uma injeção e, no dia seguinte, eram duas doses. A cada mudança brusca de temperatura vem à lembrança, detalhes de momentos em que o colo da mãe era o único bálsamo. Aliás, bálsamo alemão era outra tortura inominável imposta à minha geração no combate aos resfriados, mas isso é outra história.