Prestes a completar 84 anos de vida, a professora aposentada Maria de Lourdes Balestro não para. Mantém o corpo, a mente e o espírito sempre ativos. É adepta de uma alimentação saudável, uma rotina de exercícios físicos, práticas espirituais em benefício ao próximo e muita leitura. Ao andar pela rua, volta e meia é surpreendida por cumprimentos de ex-alunos, o que a deixa muito satisfeita. Não é para menos. Seu nome é uma referência em Arroio do Meio quando o assunto é Língua Portuguesa.
Nascida em Santa Clara do Sul, em 19 de novembro de 1935, Maria de Lourdes é de uma família de 10 irmãos. Junto com eles foram criados cinco tios maternos, que perderam o pai e a mãe vitimados pela febre tifoide. A propriedade da família, que tinha serraria e moinho, era o ponto de encontro e diversão da gurizada nos fins de semana.
Os estudos foram iniciados no Colégio São José, das Irmãs da Divina Providência. Por ser um colégio de irmãs, muitas vindas da Alemanha, a religião era levada a sério e as aulas sempre eram precedidas de missa. Inspirada pelo ambiente escolar, decidiu que queria ser professora. Seguiu os passos da irmã mais velha e deu sequência aos estudos em Florianópolis, no Colégio Coração de Jesus, pertencente à mesma congregação. Lá descobriu que podia ser professora sem, necessariamente, seguir a vida religiosa. Voltou para Santa Clara e concluiu o Magistério em Venâncio Aires.
Por obra do destino, anos depois, lecionava no mesmo colégio onde fora fisgada pela magia de ensinar. A experiência no Colégio São José foi curta. Entrou para o quadro de servidores do Estado e foi nomeada professora em Arvorezinha, onde permaneceu por quase uma década. Neste período, realizou os exames de suficiência e obteve o registro em Língua Portuguesa, o que a habilitava para lecionar a disciplina de Português no então Ginásio, atual Ensino Médio. Concluiu a faculdade de Letras mais tarde.
Na época em que residia em Arvorezinha conheceu o marido Ivalino Balestro. Em 1965 casaram-se e fixaram residência em Arroio do Meio, onde Maria de Lourdes deu sequência em sua profissão. Num primeiro momento lecionou na Escola Guararapes, no Primário e, em Encantado e Lajeado, no Ginásio. Em 1968 teve início uma história de amor e muita dedicação, com sua cedência para o Colégio São Miguel. “O São Miguel foi minha segunda casa”.
É desse tempo que possui as mais profundas e alegres lembranças. Avalia como um período bom, com inúmeros aprendizados. Instigava os alunos a darem o seu melhor e a se dedicarem ao máximo e ao conteúdo escolar. Hoje, vê que podia ter feito algumas coisas de forma diferente. Na época, entendia que ser exigente fazia parte do seu trabalho enquanto educadora. “Por trás de cada aluno tinha pais que confiavam o filho ao Colégio São Miguel. Era minha obrigação fazer o meu trabalho bem-feito”.
Tinha uma preocupação com o aprendizado, e os alunos que apresentavam dificuldade eram acolhidos em sua casa para aulas de reforço. Anos mais tarde descobriu que muitos gostavam do “reforço” especialmente pelos doces que ganhavam na casa da professora. Ri da situação e se diz muito satisfeita em ver que muitos destes ex-alunos se tornaram pessoas bem-sucedidas. Destaca os padres Rogério Kunrath e Paulo Palaoro. “Não podia imaginar que aqueles meninos que tinham dificuldade para aprender a Língua Portuguesa se tornariam tão eloquentes como o são”.
Por outro lado, foi surpreendida inúmeras vezes. “Tive alunos que liam e escreviam melhor do que eu”. Enquanto professora de Literatura foi uma grande incentivadora da leitura. Em sala de aula trabalhava com poemas, paródias e ia muito além das fichas de leitura. Produzia encenações de livros, com alunos encenando os personagens, e chegou a ter uma turma que fez um filme do livro Memórias de um Sargento de Milícias, escrito por Manuel Antônio de Almeida.
A professora sempre soube que a Língua Portuguesa é cheia de regras e exceções e há conteúdos que não são fáceis de apreender. Por isso, criava artifícios para facilitar a memorização de algumas regras. Para fixar o emprego da crase, produzia textos que apresentavam todas as possiblidades de uso. Tudo pensando no aluno e no seu aprendizado. Todo esse carinho para com os estudantes foi retribuído com o troféu de Educadora Emérito, entregue pelo Lions Clube de Arroio do Meio em 1991, então sob a presidência do ex-aluno Gilberto Nos.
A aposentadoria
Em 2007, já aposentada, decidiu que era a hora de deixar as salas de aula. Parou no meio do ano e, em setembro, foi viajar com uma irmã para a Alemanha, a fim de se acostumar com a nova rotina. As colegas de São Miguel, a maioria ex-alunas, a presentearam com um caderno de recordações, que é guardado com muito carinho. As páginas registram o quanto a professora e a pessoa Maria de Lourdes foi, e é, querida e respeitada pelo seu desempenho em sala de aula e na defesa da educação.
Mariazinha, como era carinhosamente chamada, recorda de muitos bons momentos vividos ao lado dos colegas e alunos do São Miguel, como os piqueniques e os churrascos preparados por Adalberto Brod. “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante”, parafraseia. Pelo bom convívio na escola e por seu amor aos alunos, não foi fácil parar. Doou muitos livros, chorou e até hoje se emociona ao lembrar do trabalho. “São lembranças que ficam para o resto da vida”.
Arroio do Meio e comunidade
Ao longo dos anos dentro das salas de aula, Maria de Lourdes viu muitas mudanças acontecerem na educação e na sociedade, como um todo. A tecnologia se tornou mais atrativa do que os livros e a qualidade da educação, de certa forma, foi perdendo a importância. Nunca compactuou com o avanço do aluno para a série seguinte sem que ele tivesse realmente condições. “O papel aceita tudo, mas a vida não”.
Mesmo afastada das salas de aula, vê que Arroio do Meio mantém o padrão de qualidade na educação e na cultura. “Nossas escolas estão de parabéns. A preocupação com a educação e a cultura são características do povo de Arroio do Meio”.
Fica feliz ao perceber que, de certa forma, seu trabalho contribuiu para que Arroio do Meio alcançasse um bom patamar de desenvolvimento e se tornasse uma “Passárgada”, um lugar feliz, onde tem tudo. No entanto, ressalta que o fez sem qualquer objetivo de obter recompensas. “Na época fazia porque era o meu dever”. Observa ainda, que não fez nada sozinha, que sempre foi o coletivo, destacando o papel fundamental dos alunos, visto que alguém só pode ensinar quando há pessoas dispostas a aprender. “Fizemos tudo juntos, com acertos e erros. Em cima do erro também tem aprendizado”.
Nos dias atuais a leitura é um grande passatempo. Os livros clássicos deram lugar a uma literatura mais livre, que inclui autores contemporâneos e textos bíblicos. A prática espiritual também é constante no dia a dia. Criada numa família muito religiosa, com três irmãos que seguiram a vida consagrada – duas irmãs e o padre Décio Weber – e tendo estudado numa escola católica, Maria de Lourdes mantém o vínculo com a religião. Participa do Grupo Mensageiras da Divina Providência, que reúne-se semanalmente, do Grupo de Professoras Aposentadas, do Apostolado da Oração e, como ministra da Eucaristia, visita pessoas doentes.
Gosta de cozinhar para o marido, o filho Dante e a nora Luciane e, sempre que possível, prepara um saboroso pão de mel, que tem uma finalidade bem específica: presentear visitas e visitados. Assim, a sempre professora Maria de Lourdes continua a partilhar seu saber e a se dedicar ao trabalho em prol dos outros.