Passei duas experiências que, se não foram traumáticas, deixaram cicatrizes na memória que perduram até hoje. Usei aparelho ortodôntico e ainda não dispensei os óculos. Estes dois “equipamentos” hoje são muito comuns, mas tente imaginar um piá sendo obrigado a ostentar estas “cangalhas” na década de 70/80.
Recentemente uma amiga, orientadora educacional de uma escola de Porto Alegre, contou que uma adolescente estava em crise, coisa pra lá de comum. O que chamou a atenção foi o motivo: ao contrário de 90% dos amigos e colegas, ela não precisa usar “aparelho nos dentes”.
Lembro com exatidão do período que usei aparelho quando era guri. Tentem imaginar como eram rústicos os materiais, tratamentos e recursos lá pelos idos de 1970, em comparação com os avanços que temos hoje. Recordo, com os olhos marejados, dos grampos de inox que perfuravam minha gengiva. Recordo, também, da dor nos dentes inferiores, resultado da pressão da prótese.
Foram meses de muita dor e conformismo. Afinal, sou do tempo em que o pai mandava e a gente obedecia sem pestanejar, sob pena de um contato nada amistoso com um chinelo ou cinto de couro e, nos casos mais graves, varinhas de marmelo que deixavam marcas pelo corpo. Depois de algum tempo – não lembro quanto – me livrei deste suplício.
Como todo ser humano quase sexagenário,
tenho muita saudade de algumas coisas
O uso de óculos foi inevitável. Míope com quase três graus em cada olho não restou alternativa. Fui ao oftalmologista e de receita em punho passei pelo sacrifício de escolher as armações. Tive vontade correr, sem olhar para trás, mas acabei cedendo. Dias depois, com mais coragem ainda, fui à óptica pegar o equipamento pronto. Devidamente acomodada no estojo a novidade repousou por semanas no fundo da minha pasta.
Na época dividia um apartamento em Porto Alegre com seis amigos de Arroio do Meio, vários eram amigos de infância. Toda vez que pensava em colocar os óculos imagina a reação dos “corneteiros”. Depois de três semanas criei coragem e de cara emplaquei o apelido: Professor Pardal!
Atualmente usar óculos “é ter estilo”, com preços exorbitantes. Considero um acessório que empresta charme às mulheres. Em alguns homens passa a imagem de sabedoria e seriedade. Apesar da cirurgia que zerou minha miopia, até hoje, convivo com óculos porque o problema atual não garante solução definitiva.
O avanço da medicina, da odontologia e da tecnologia facilitou a vida da gurizada. Ostentar um vistoso aparelho ortodôntico – em alguns casos com “borrachinhas” coloridas – ou desfilar armações “estilosas” sepultaram o trauma e o complexo de carregar estas próteses pela vida afora.
Como todo ser humano quase sexagenário, tenho muita saudade de algumas coisas, mas recordações desta crônica só despertam lembranças dolorosas.