A onipresença do celular quase me faz esquecer do tempo em que ter telefone e televisão era sinal de status. Durante muitos anos não tivemos nenhum destes eletroeletrônicos lá onde nasci, no bairro Bela Vista, na minha Arroio do Meio, a Pérola do Vale (do Taquari). Para conversar com os parentes à distância era uma epopeia. Durante o dia, meu pai ligava para um dos familiares para combinar dia e horário da ligação para que pudéssemos conversar com tios e primos.
Pouco antes da hora indicada tomávamos um banho caprichado e, de “cabelo lambido”, nos dirigíamos ao “centro telefônico”, localizado na Rua Visconde do Rio Branco, perto do antigo Grupo Escolar Guararapes. Esperávamos ansiosos o momento da “centrista” – funcionária responsável por efetivar a ligação telefônica – chamar o meu pai.
No final do corredor havia uma cabine de vidro na qual mantínhamos contato com o mundo exterior. A participação dos filhos neste evento quase sempre era para um simples “oi”, “como vai” e “tchau”. A ligação custava caro, eram os pais que usavam a maior parte do tempo.
Invariavelmente as ligações telefônicas se iniciavam por comentários sobre o tempo. Do tipo “bah… mas tá frio hoje, heim?” ou “tchê, que calorão, deve chover amanhã!”. Levou muitos anos para termos telefone fixo em casa, sempre sob o olhar vigilante do meu pai, guardião e provedor das contas domésticas.
A repreensão raramente era revertida:
corretivo dado era corretivo cumprido!
A presença da televisão demorou ainda mais. Íamos à casa do Bruno Kirst, meu avô materno e fundador da Bebidas Fruki (ex-Kirst & Cia. Ltda.), que morava perto da igreja Nossa Senhora do Perpétua Socorro e da loja de Oscar Barden. Além de um flamante Simca Chambord e depois um Doginho Polara 1800, meu avô tinha em casa avanços tecnológicos pioneiros com destaque para vistosos abajures.
Sábados à noite íamos “para a cidade” visitar o vô Bruno e a vó Wilma para assistir tevê. Enquanto conseguíamos ficar acordamos, assistíamos a todo tipo de programa. Já no domingo o Ringue Doze Marinha Magazine com suas lutas livres arranjadas – as famosas “marmeladas” – eram programa obrigatório. Ali travei conhecimento com heróis e vilões como Ted Boy Marino, Scaramouche, Fantomas, Múmia e Rasputim que se digladiavam no Ginásio da Brigada Militar recentemente demolido em Porto Alegre.
O castigo mais doloroso pelo mau comportamento era ser proibido de ver tevê “na casa do vô”. Ficávamos num quarto ao lado da sala, com direito apenas ao som do televisor. A repreensão raramente era revertida: corretivo dado era corretivo cumprido!
Hoje a tevê está no celular que, por sua vez, está em todos os lugares. Logo todos os comandos da casa estarão no smartphone. A televisão aberta raramente é a única opção na sala em que a família se encontra. As séries via Netflix, NET ou Now são parte das opções. Muito diferente dos aparelhos em preto e branco, pesados e obsoletos, que povoaram a minha infância.