Ele se mudou para Porto Alegre em 2014 para fazer doutorado em Ecologia, mas não imaginava que a capital gaúcha lhe apresentaria novos caminhos. O paulista Thiago Oliveira, 38 anos, é o Homem Sem Tabu (Instagram: @hsemtabu), que tem milhares de seguidores nas redes sociais e fala de uma forma aberta e clara sobre o universo masculino sem macheza. “Pra que ser o machão se você pode ser legal?” é uma frase conhecida por quem o segue.
Antes do surgimento do Homem Sem Tabu, a carreira na biologia foi trocada pela comédia stand up. Além de subir aos palcos, Thiago trabalha com o comediante gaúcho Cris Pereira, que recentemente estreou seu personagem Jorge da Borracharia na Praça é Nossa.
O Homem Sem Tabu nasceu em 2019, a partir de uma conversa com um amigo muito jovem e sua insegurança na hora do sexo. Como já havia broxado em outras vezes, recorria a uma medicação para “não falhar”. Thiago conversou com o rapaz e contou das vezes em que já havia ocorrido com ele, reforçando que é algo natural, que pode acontecer. Ao sair, este amigo falou que era bom e importante ter alguém para conversar assim, com a cabeça mais aberta, que trata as coisas de forma natural. “Eu falei: vou gravar um vídeo exatamente falando o que a gente conversou, da forma que a gente conversou, natural, sem preconceito ou macheza. Gravei, não tinha onde postar, porque eu tinha um outro Instagram de comediante, acabei criando o nome Homem Sem Tabu”, conta.
O machismo, percebe o criador de conteúdo, não é exclusividade dos gaúchos, está presente em todas as partes do Brasil e também fora dele. No Rio Grande do Sul, no entanto, tem o estereótipo do homem machão. “Até é uma brincadeira que eu faço, tipo um slogan que é: ‘pra que ser o machão, se você pode ser legal?’, brincando com essa ideia de que ser o machão não é tão bacana assim”.
No perfil, Thiago mostra seu processo de mudança, o que pensa e como vive o dia a dia. Por mais que tenha quem ache que é tipo um personagem e que pinta a unha mais para aparecer, ele garante que o faz porque gosta. Tem recebido muito apoio das pessoas mais próximas e amigos. “Mostro meu processo de mudança, o que eu estou pensando, o que eu estou mudando. Não sou o cara perfeito, eu não passo essa ideia. A maioria dos meus amigos gosta e fala: ‘pô você tem coragem de falar algumas coisas, eu admiro isso’”.
Os tabus
Entre os vários tabus abordados estão os relacionados à sexo e sexualidade. “Isso de o homem ter que ser essa máquina do sexo e ter uma grande performance é muito da nossa deseducação, como costumo dizer. A pornografia não educa sexualmente, eu acho que ela deseduca e muito”.
Como inspiração para seus vídeos e conteúdos, Thiago usa o próprio cotidiano, suas experiências e algumas situações que são compartilhadas por seguidores. Além disso tem lido bastante, buscando cada vez mais conhecimento. “Tem livros incríveis. No meu lugar de homem, por exemplo, vou busca livros que falam sobre feminismo. Você tem que ler mulheres falando sobre o assunto, você não vai ficar discutindo feminismo com amigo seu. Pode discutir, mas você tem que buscar outras fontes, outros lugares”.
O assunto que mais “causa” quando é abordado é sexo. “As pessoas gostam de falar disso. Quando eu abro enquete, votação e tudo mais, que tem a ver com tabus sexuais, a galera adora. E é realmente muito tabu. As pessoas têm tabu. Recebo muita mensagem de pessoas: ‘cara, você falou disso, eu sempre quis fazer tal coisa, mas nunca tinha coragem, você me motivou. Ou, cara, eu pensava assim, assado e você me fez parar para pensar de outra forma’”, conta, salientando que o público masculino vem aumentando.
Pelo retorno que tem recebido, considera o trabalho positivo. “Eu tenho ajudado algumas pessoas a mudarem o comportamento, a pensarem diferente, a fazerem coisas que não fariam, ainda mais sexualmente falando. Recebo muita mensagem de homem, por exemplo, falando sobre prazer anal e que falam ‘eu tinha vontade de experimentar isso com a minha parceira e tal’ e eu falo da forma mais natural: vai lá, vocês tão dentro do quarto, podem fazer o que vocês quiserem, isso não tem nada a ver com a sexualidade de ninguém. E aí, as pessoas vêm depois mandando mensagem ‘fiz, foi legal’. Então eu fico muito feliz com esse retorno, porque eu sei que para algumas pessoas, isso realmente está fazendo muita diferença”.
Para o Homem Sem Tabu as pessoas num geral, independente do gênero, e que gostam, pensam muito em sexo. Considera que o velho ditado de que “homem só pensa naquilo” está ficando para trás. “Tem mulher que pensa muito mais que homem. Muito mais. Então, acho que cada vez mais essas máximas vão ficando para trás”.
Saúde mental e emocional
O machismo é um assunto recorrente no Homem Sem Tabu. Isto porque ele é prejudicial à sociedade como um todo, inclusive para os homens. “O cara machista se prejudica também e, muitas vezes, sem querer. Essa masculinidade tóxica que a gente percebe é muito ruim”, observa, salientando que a luta do feminismo também vai ao encontro da saúde mental e emocional dos homens, que muitas vezes resistem a buscar ajuda profissional.
“Eu faço terapia e acho isso ótimo. Muitos caras acham que isso é fraqueza, que não é uma coisa de homem. Existe um conceito chamado ‘caixa dos homens’ que teoricamente é como se existisse uma caixa que lá dentro tivessem coisas para o cara performar, ser homem. Para ser um homem de verdade ele tem de fazer algumas coisas, ou não pode fazer outras. E uma delas é a emoção”. Alerta que o não expressar emoções e sentimentos pode trazer problemas psicológicos sérios, que se agravam sem a ajuda profissional, com psicólogo e psiquiatra. “Todo mundo tem problema, todo mundo tem algo a tratar ou a grande maioria, 99% das pessoas. Então, isso atinge também homens, acho que é bem delicado e prejudicial para todo mundo mesmo”.
Estereótipo
Para sair do estereótipo comumente usado para definir o que é ser homem e, consequentemente, ter uma vida mais leve, sem tantas autocobranças desnecessárias, não é um processo tão simples. O Homem Sem Tabu acredita que é uma decisão que depende da própria pessoa. “Para um homem querer sair desse estereótipo, querer pensar diferente, mudar seu comportamento, os seus pensamentos e tudo mais, ele tem de querer aquilo”, afirma
Para ele há dois caminhos: o do amor, que é mais fácil, que é a empatia, o se colocar no lugar do outro e parar naturalmente para pensar como as coisas aconteceram e o outro da dor, que é quando o aprendizado vem a partir de uma situação ruim. “Eu acho que fui um pouco mais por esse caminho de começar a escutar mais as pessoas, de começar a pensar sobre meu comportamento, minha atitude. Eu acho que esse é um caminho, quando as pessoas param para ouvir as outras e se colocam no lugar. Mas o principal é que a pessoa tem de querer mudar. Nós homens estamos numa situação muito confortável há muito tempo. E eu entendo quando tem gente que não quer. Até inconscientemente, eu não quero, não vou mudar, para mim está confortável. Quem em sã consciência vai querer sair de um lugar de conforto, para querer mexer em espinhos, em dores?”, avalia, ressaltando que o patriarcado, o machismo estrutural, é uma construção muito antiga que precisa de todo um processo para ir ficando para trás.
Comédia
Assim como tudo muda o tempo todo, as piadas também passam por transformações. Thiago diz que ainda há muitas piadas machistas e preconceituosa, mas houve muitos avanços neste sentido. “Eu acho que as pessoas podem fazer o que elas quiserem. Vai ter piada de tudo quanto é jeito e de alguma forma a gente não pode proibir isso. Eu não faço, não gosto, busco não estar nesse lado de piadas dessa forma”.
Ele acredita que piadas preconceituosas podem reforçar alguns estereótipos e preconceitos. “Não que alguns temas não devam ser tratados, pelo contrário. A gente pode falar, por exemplo, sobre gay numa piada. É óbvio, são pessoas que vivem todas juntas em sociedade, eu e um amigo gay, por exemplo. Eu posso viver histórias, como eu conto muito. Faço a linha de contar histórias que aconteceram comigo, provavelmente aconteceu uma história engraçada, eu e um amigo gay junto”.
A forma como as situações são abordadas na piada é que faz a diferença. Até uma situação de preconceito pode ser contada, dependendo da maneira como ela é trazida para o palco. “Aí vai de cada comediante, levando para onde a graça está, se é no reforço desse preconceito, ou em alguma outra quebra de expectativa dentro daquela cena. Aí entra o papel do comediante e é muito específico de cada um. Então, não é que você não pode falar de gordo em piada. Pode ter acontecido uma situação com um amigo seu gordo, você e ele e aquilo pode ter sido engraçado de alguma forma. Não é que você não pode fazer piada com mulher, que aconteceu alguma coisa com amigo seu ou uma situação de racismo. Você pode fazer piada com qualquer coisa. A forma como a gente trata isso, que que vai mudar”.
Thiago lembra uma fala de Fábio Porchat numa entrevista, de que vai passando o tempo e as coisas vão caindo. Observa que hoje em dia não vê mais ninguém fazendo piada de loira burra e português, por exemplo. “Há 20 anos era engraçado, as pessoas riam com uma naturalidade muito maior, mesmo não sendo certo, mas riam. Hoje em dia ninguém ri mais. Então, acho que daqui 20 anos, por exemplo, talvez ninguém vai rir mais com uma piada racista. Acho que a própria sociedade vai moldando e o cara que quer fazer, vai fazer, só que vai ter cada vez menos gente no show dele. Vai ter cada vez menos audiência para esse tipo de coisa”.