Havia uma cidade onde todos tinham muita pressa. Levantavam uma hora antes, afobados. Tomavam café às pressas, vestiam as crianças em segundos – os que tinham crianças a cuidar -, e lhes alimentavam de um desjejum instantâneo, sem sabor, porque saborear exige tempo. Em seguida, estavam na porta da casa, do ônibus escolar ou na recepção da creche. Mãos nervosas a acenar beijos tensos. Precisavam estar à frente, antecipar-se ao engarrafamento, evitar as filas. Porque tinham de estar lá, precisamente na hora certa ou, muito melhor, alguns bons minutos antecipados.
Assim, corriam para pegar o ônibus, ou abrir a garagem e antecipar segundos, buscar um desvio, escapar do sinal fechado. Avançavam faixas de pedestres, cometiam deslizes, em nome do compromisso, esqueciam os bons modos e reclamavam de quem lhes atrapalhava o ritmo. Se havia fila, davam um jeito de furá-la. Que feio!
Esta cidade sofria com altos índices de intolerância. Todos chegavam praticamente juntos para disputar os espaços, cada vez menores, no ônibus, no trem ou nos pontos dos táxis, onde motoristas neuróticos odiavam os roteiros em vias congestionadas. Mas lá, existiam apenas avenidas modernas, entupidas de gente e veículos. De todos os tipos, modelos ou cores. Sempre a mil.
No trabalho, lutavam por mesas, computadores, telefones e cargos que acelerassem seus processos. A ânsia de poder, não os permitia perder tempo para o questionamento abstrato, que de uma maneira ou outra, poderia encaminhar soluções menos sofridas. Mas a vida naquela cidade era para ser rápida feito seus lanches, seus cafés em pó e sua fugaz alegria.
Eles riam nos bares, ao final do expediente. Misturavam bebidas e energético para acelerar o prazer como quem busca recompensa por uma missão que não se definiu ainda o sentido. Voltavam para casa dispostos a dormir o quanto antes e assim, no caminho, não percebiam a cidade aflita por uma noite sem sirenes, ou mortes gratuitas.
Apenas uma noite para sonhar. Mas sonhos não eram mais permitidos, porque lhes obrigariam a pensar, interpretar as mensagens de seus subconscientes. Então, tomavam pílulas para dormir e, ao acordar, pílulas para lhes bloquear o apetite, pílulas para motivar na repetição rotineira da pressa.
Lembro que no dia em que parti desta cidade funesta se formara um grande congestionamento nas principais vias. Todos, exceto alguns poucos excluídos, haviam se deslocado exatamente na mesma hora. Haviam caminhado os mesmos passos afobados, percorrido as mesmas ruas, na mesma louca velocidade e, desafortunadamente, cometido as mesmas pequenas contravenções para chegarem, é claro, antes.
Assim, de uma forma inédita trancaram ruas, calçadas, elevadores e todos os espaços públicos possíveis. Ainda consegui ver a minoria lenta circulando por vias alternativas. Evitavam assim a neurose dos semáforos de três estágios, a zanga dos que jogavam – uns contra os outros seus para-choques e frustrações. Escapavam da fobia dos que não sabiam admitir que, às vezes, mudar o rumo evita um grande problema e cria uma nova alternativa.
A cidade de uma hora para outra, estava entupida de gente afobada. Do tipo que não conseguia desligar. Que pensava na aposentadoria que viria um dia, ou no final de semana que passaria rápido demais, entre o shopping, o cinema e quem sabe um pouco de amor, eterno, dentro de alguns minutos. As buzinas soavam como somente o coral do desatino poderia soar: aos berros.
Os gritos, os desaforos e as ambulâncias misturavam-se em outros tons, sem saber a quem socorrer. Era um engarrafamento monstro de ansiedade bruta. De monolítica ignorância entre tantos cidadãos com diplomas, títulos de nobreza e uma não declarada vontade de sumir o mais rápido possível.
A minoria lenta seguiu pacientemente a desviar dos grandes corredores, das perimetrais e túneis que a cidade grande construía para causar uma falsa sensação de agilidade, de leveza urbana e trancar tudo metros adiante, em seus funis de concreto.
E foi assim que esta destemida minoria lenta chegou lá. Ainda a tempo de bater o ponto sem angústia. Aproveitar o aroma gostoso do café recém-coado e observar, da janela, o movimento das pessoas nas calçadas, desta vez, cada um a seu ritmo, com um toque inédito de civilidade e paz. Pontuais, como sempre poderiam estar.