Um dos principais problemas de se viver em um país pouco sério e sem planejamento duradouro é que as prioridades mudam ao sabor da repercussão na mídia. Diante da tragédia ocorrida em uma escola de Blumenau, Santa Catarina, em que um maluco matou quatro crianças sem motivo aparente, lembrei-me da queda de uma marquise no centro de Porto Alegre.
O incidente ocorreu diante de uma filial da Lojas Arapuã, conglomerado comercial que já não existe mais e vendia eletroeletrônicos. O episódio, em 6 de outubro de 1988, causou a morte de nove pessoas. Ocorreu quando o boneco-símbolo da loja, o Arapinho, distribuía balas e chocolates alusivos ao Dia da Criança.
Diante da comoção geral, dias depois houve uma blitz da fiscalização da prefeitura para inspecionar todas as marquises da Capital. Houve muitas denúncias, inúmeras manchetes e manifestações bombásticas de especialistas, além de curiosos cuja notoriedade durou 15 minutos. No cotidiano, como sempre acontece, o assunto esfriou assim que a mídia parou de badalar as consequências do acidente.
Na situação atual, nossas prioridades só terão
esta conotação enquanto estiverem nas manchetes
Deslizamentos de terra em dias de enxurrada e rompimento de barragens com frequência ganham as manchetes no Brasil. O fenômeno se repete cotidianamente. Já os 242 mortos e os 636 feridos na maior tragédia da história do Rio Grande do Sul – o incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, em 27 de janeiro de 2013 – geraram uma onda fiscalizatória sem precedentes.
Aos poucos, porém, a rigorosa e moderna legislação aprovada na Assembleia Legislativa foi sendo flexibilizada até se transformar em um arremedo que debocha dos pais das vítimas fatais. Em sua maioria, jovens universitários que se divertiam numa boate.
O poder da mídia é um fenômeno difícil de compreender. A avidez na busca por manchetes sensacionalistas agride as pessoas de bem, ofende a ética, compromete biografias ilibadas. Destrói famílias, negócios e amizades. São raras e pouco divulgadas as condenações de profissionais da imprensa que travestidos de “jornalistas investigativos” buscam notoriedade à custa de boatos anunciados como verdades absolutas.
As redes sociais, sempre acusadas de produzir apenas fake news, por vezes são o único canal para “divulgar o contraponto”, a versão dos acusados que quase sempre têm pequenos espaços para divulgarem seu ponto de vista. Na situação atual, as nossas prioridades só terão esta conotação enquanto estiverem nas manchetes. Para o bem e para o mal.