Em novembro de 2018, registrei, aqui neste espaço, a cerimônia realizada em Paris, para celebrar os cem anos do fim da primeira guerra mundial.
Ao fazer o comentário, destaquei a presença dos dirigentes dos países que se envolveram na guerra e o discurso do presidente anfitrião, Emmanuel Macron. Na ocasião, me impressionava a dificuldade de encontrar palavras na hora de falar da carnificina que arrasou a Europa entre 1914 e 1918. Percebi a insuficiência de um discurso, para estancar o horror que brota da lembrança de uma guerra.
Por tudo isso, destaquei a sabedoria da cerimônia de Paris, em 2018: em vez de muito blá-blá-blá, houve apresentação de música. Arte é manifestação do lado mais sublime da inventividade humana. A obra de arte tem a profundidade e a beleza que nos reconciliam e ajudam a compreender melhor a vida. A arte possibilita a elevação do espírito, possibilita entender o que de outra forma seria difícil entender. A arte pode fazer brotar o que de melhor habita o coração.
Como eu disse, na cerimônia de Paris, em vez de falas, soou música. Houve o violoncelo tocado pelo americano de origem chinesa Yo-Yo Ma. Cantou a beninense Angélique Kidjo. O Bolero de Ravel foi executado pela Jovem Orquestra da União Europeia.
Você já ouviu o Bolero de Ravel? Ouça de novo. É fácil encontrá-lo no You Tube. Você vai entender melhor o que estou falando.
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Infelizmente, notícias sobre conflitos na Europa e no Oriente Médio não param de chegar. As informações dos correspondentes de guerra descrevem destruição e sofrimento.
Embora os comentários venham acompanhados de imagens, nada é suficiente para revelar o medo e a dor reais. Mal dá para imaginar a explosão da consciência, a dissolução de toda a segurança, que a guerra traz. Mas a arte pode ajudar. Ela permite chegar mais perto da compreensão e – quem sabe – por esse caminho, também, mais perto da paz.
Pensar nisso me faz chamar a atenção para uma obra de Pablo Picasso (1881 – 1973), o genial pintor espanhol. Em 1937, ele pintou La Guernica, quadro de proporções gigantescas: 349 cm de altura por 776,7 cm de comprimento. É uma pintura a óleo em preto e branco, com um toque de bege e azul. Picasso retrata ali o estilhaçamento físico e mental, na sequência do bombardeio que cai sobre a pequena aldeia de Guernica, durante a Guerra Civil espanhola (de 1936 a 1939). O quadro se encontra exposto no Museu Reina Sofia, de Madri. Numa sala escura, lá está ele, só ele, iluminado por spots de luz. O impacto sentido pelos visitantes é total.
Sugiro que você procure pela imagem, observe e se deixe levar. Se pudermos sentir a tragédia da guerra como algo nosso, talvez também possamos ir encontrando jeitos de não permitir que a guerra tome o lugar da convivência, da tolerância .
Talvez isso nos ajude a ir cultivando a paz. Antes de mais nada, dentro do nosso coração .