Quer ouvir música? Dezenas de plataformas oferecem a possibilidade de se conectar com novidades ou clássicos de tempos passados. É o Spotify, You Tube Music, Deezer e muitos outros. Tudo ali disponível para se ouvir nos fones ou, eventualmente, compartilhar com amigos via celular, a qualquer hora, nos mais diversos formatos. Lembro um passado onde as pessoas sentavam ao redor do “estéreo” para ouvir discos. Meu pai reunia amigos para curtir lançamentos de música erudita! Meu avô me ensinou a curtir as “big bands” com seu jazz dançante e, não poucas vezes, tentou ensinar alguns passos.
Um amigo, músico profissional, disse para que eu escrevesse algo sobre incentivar os filhos músicos, “só pra variar”? Eu sei, às vezes é um tormento desafinado. Vale o sacrifício, mesmo assim. Estimular talentos refina a sensibilidade da criança, ajuda a dar um incentivo aos adolescentes rebeldes, ou tímidos. Ao invés de um sarau à moda antiga, vamos promover um “show caseiro de talentos”. Nem todos seguirão o caminho da música, ou da poesia – para alívio da grande maioria das famílias – mas serão profissionais mais sensíveis em qualquer outra área, com certeza.
Em um desses reencontros casuais, conversei longamente com um ex-colega de ginásio, o Ulisses, agora um bem sucedido corretor de imóveis. Nos tempos de guri, era um excelente músico. Adorava o Rick Wakeman, tecladista da banda inglesa Yes. E foi o Ulisses que me relatou um momento com ar de tempo antigo – vivido recentemente -, quando um velho piano, na sala do casarão dos avós, chamou a atenção de seu filho caçula. Os olhinhos curiosos grudaram-se no imenso instrumento empoeirado no canto de uma parede, coberta de fotos amareladas.
Desde que vovô Armênio faleceu, as noites de cantoria improvisada entre familiares e amigos haviam sido sepultadas junto às lembranças de um passado de música e dança. Mas a curiosidade infantil acabou obrigando Ulisses a dedilhar outra vez aquele teclado branco e preto. O som cheio e forte encantou o menino. Ao perceber a alegria do filho, arriscou uma antiga canção – uma das poucas que lembrava. As notas mesmo inseguras, atrapalhadas pela desafinação do instrumento, encheram a casa de uma emoção nova. Renovadora.
A pobre avó, assustada, correu à sala e emocionou-se ao ver pai e filho cantando: “Olha, dentro dos meus olhos vê quanta tristeza de chorar por ti, por ti…. De saudades eu chorei, e até pensei que ia morrer, juro que eu não sabia, que viver sem ti, eu não poderia…”. Era uma canção dos tempos da Jovem Guarda, de Roberto Carlos. “Vó! Toca para nós”, exigiu o menino. E os dedos trêmulos da mãe de Ulisses, professora aposentada de música, ensaiaram algumas canções.
A partir daquele dia, a vovó transformou o piano em uma ponte entre o passado e o futuro representado pelo neto que agora aprende as escalas de notas no teclado. A família voltou a reunir-se com maior frequência. Trocaram a poeira por música e risos aos sábados. A saudade virou lembrança gostosa, com direito a muita cantoria. Ulisses insiste que em um sábado eu o visite para, juntos, lembrarmos os hits dos anos 70 e 80. Quem sabe? Mais importante do que saber cantar é não perder espaço para o mofo e a depressão. Isso sim desafina.