Não é sem razão que o Brasil produziu tantos craques nas últimas décadas. Na minha infância o melhor time era o do Internacional com o técnico Teté. Eu sabia o time de cor e enchia cadernos com desenhos de jogadas imaginárias, pois a gente acompanhava os jogos pela Rádio Guaíba.
Florindo, Oreco, Luisinho, Larry, Bodinho, Chinesinho… O time era tão bom que, com alguns enxertos, foi buscar a taça para o Brasil no Pan-americano do México, em 1956.
Não foi por acaso que eu me tornei o único colorado da família.
Praticamente todos os dias, ao final da tarde, armava-se na rua uma partida de futebol entre a gurizada. O gol era marcado com dois chinelos ou uma vareta cravada no chão.
A escolha dos times cabia aos dois melhores, pois não podiam ficar no mesmo time. Com a escolha alternada, ficavam dois times equilibrados. Ser o último a ser escolhido era uma humilhação
Ninguém ficava sem jogar. Se o número de jogadores era ímpar, o último ficava no time mais fraco até chegar outro jogador. Normalmente o pior ia para o gol, mas se fazia um rodízio, ficando até tomar um gol.
O dono da bola tinha algumas mordomias. Sempre ficava no melhor time tinha e todos seus desejos atendidos, pois se fosse embora com a bola acabava o jogo.
Era igual a jogo de tênis entre amigos. Não tinha árbitro. Ficava na consciência do jogador faltoso ou no grito da vítima que invocava a falta. Se a bola saía, o jogador gritava “bola nossa” e fazia a reposição. Quem chutava a bola para longe tinha que buscar.
O jogo acabava quando escurecia, as mães chamavam ou o dono da bola resolvia ir embora.
Na época nós já tínhamos inventado o “gol de ouro” ou “morte súbita”, que foi adotado pela FIFA e utilizado nas Copas do mundo de 1998 e 2002 e nas Olimpíadas de 1996 e 2000. Na hora de encerrar o jogo e ir para casa, “quem faz o primeiro ganha”.
Se vinha algum carro, o que era muito raro, ou se aproximava uma criança ou mulher grávida, alguém gritava para parar o jogo, o que todos obedeciam.
Se faltava guris para formar dois times, a contragosto a gente participava de “caçador” ou outras brincadeiras inventadas pelas meninas da vizinhança. Havia o “Mandrake”, a “sapata” e o “mamãe posso ir? Quantos passos?”
Dias atrás vi uma meninas chilenas participando de uma brincadeira que eu não lembrava mais. Era uma brincadeira em que os participantes, que tentam se aproximar da pessoa que está contando, ficam “congelados” na posição que se encontrarem quando ela diz “meia, meia lua, um dois, três… e se volta”. Quem for apanhado se movendo cai fora.
Às vezes era difícil reunir a gurizada para fazer um jogo. Para compensar fazíamos um campo entre quatro laranjeiras, fincávamos quatro traves, com uma taquara de travessão, e jogávamos “de cabeça”, com uma bola pequena. Um colchão de cascas de arroz, que buscávamos no engenho do Seu Emmel ou do Romeu Gewehr, garantia uma quadra macia.
Rebatida valia dois e janelinha valia cinco. Matar no peito garantia que o jogador pudesse jogar com os pés. Até era bom nesse jogo e ganhei vários campeonatos.
Lembro que uma vez ganhei no Natal uma bola de borracha. Acho que foi o único brinquedo que já ganhei. O normal era ganhar roupas.
A gente inventava e montava os próprios brinquedos.
Um filtro de óleo de carro, com um cordão passado pelo meio, dava um ótimo brinquedo. Uma argola, conduzida por um arame curvo na ponta, exigia perícia do condutor. Pandorgas, tampinhas de garrafa amassadas, carteiras de cigarro dobradas e entrelaçadas, caminhões de madeira, pernas de pau e carrinhos de lomba mexiam a gurizada. Largar um pneu lomba abaixo com o menorzinho dentro… sempre eu.
NINGUÉM FICAVA VIDRADO NO CELULAR!